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A crise e as novas oportunidades

A crise global, desde 2008, passou a enunciar a constituição de outra ordem internacional, uma vez que os chamados países ricos apresentam capacidade crescentemente contida de protagonizar novo padrão de desenvolvimento mundial. Em virtude disso, economias não desenvolvidas, como China, Brasil e Índia, assumem papel convergente e central no dinamismo global.

Por Marcio Pochmann*

Enquanto o antigo centro dinâmico mundial associado à saída da Grande Depressão de 1929 vem perdendo influência relativa de maneira acelerada, emergem centralidades econômicas representadas por países não desenvolvidos.

Em certo sentido, repõe-se o deslocamento do centro dinâmico verificado ainda no século 18, quando a Inglaterra assumiu a posição de importadora de produtos primários vendidos pelo resto do mundo em contraposição à exportação da manufatura originada da primeira Revolução Industrial (motor a vapor, ferrovia e tear mecânico).

Essa ordem global somente sofreu modificações importantes com o avanço da segunda Revolução Industrial (eletricidade, motor a combustão e automóvel), no último quartel do século 19. Naquela época, a onda de industrialização retardatária nos Estados Unidos e Alemanha terminou por protagonizar inovadora disputa em torno da sucessão da velha liderança inglesa.

A sequência de duas grandes guerras mundiais apontou para o fortalecimento estadunidense e permitiu a consolidação de mais um deslocamento do centro dinâmico mundial da Europa (Inglaterra) para a América (EUA).

Com a Guerra Fria, prevaleceu a polarização entre os blocos liderados pelos Estados Unidos e pela União Soviética. Nos anos 1990, contudo, o desmoronamento soviético garantiu aos EUA o exercício unipolar da dinâmica econômica mundial, embora, desde a manifestação da crise global de 2008, tenham se tornado cada vez mais claros os sinais da decadência relativa norte-americana.

Como resultado, o reaparecimento da multicentralidade geográfica mundial foi acompanhado por novo deslocamento do centro dinâmico da América (EUA) para a Ásia (China).

Dessa forma, países de grande dimensão geográfica e populacional voltaram a assumir maior responsabilidade no desenvolvimento mundial, como no caso de China, Brasil, Índia, Rússia e África do Sul, que respondem pela metade da expansão econômica do planeta.

Cada um dos chamados países-baleia procura exercer efeitos sistêmicos no entorno de suas regiões, fazendo avançar a integração suprarregional, como no caso do Mercosul e Asean. Não sem motivos, demandam reformulações na ordem econômica global.

Nova ordem mundial pode ser vislumbrada quando associada ao desenvolvimento das forças produtivas assentadas na agropecuária, mineração, indústria e construção civil nas economias-baleia. Também ganham importância as políticas de avanço do trabalho imaterial conectadas à forte expansão do setor de serviços.

A inédita fase do desenvolvimento mundial tende a depender diretamente do vigor dos novos países que emergiram cada vez mais distantes dos pilares antes hegemônicos do pensamento único (equilíbrio de poder nos EUA, sistema financeiro internacional intermediado pelo dólar e assentado nos derivativos, Estado mínimo e mercados desregulados), atualmente desacreditados.

Nesses termos, percebe-se que a reorganização mundial em meio ao aprofundamento da crise global, desde 2008, vem apoiando-se numa estrutura de funcionamento que exige coordenação e liderança mais ampliada.

Os países-baleia podem contribuir muito para isso, tendo em vista que o tripé da nova expansão econômica global consiste na alteração da partilha do mundo derivada do policentrismo associada à plena revolução da base técnico-científica da produção e do padrão de consumo sustentável ambientalmente.

A conexão dessa totalidade nas transformações mundiais requer o resgate da cooperação e integração supranacional em novas bases a começar pela superação da divisão do trabalho entre países assentada na reprodução do passado (menor custo de bens e serviços associado a reduzido conteúdo tecnológico e valor agregado dependente do uso de trabalho precário e da execução em longas jornadas sub-remuneradas).

Com isso, o desenvolvimento poderia ser efetivamente global, evitando combinar riqueza de alguns com pobreza de outros. As decisões políticas tomadas hoje pelos países de grandes dimensões territoriais e populacionais podem asfaltar o caminho do amanhã voltado à constituição de novo padrão civilizatório global. Quem sabe faz acontecer.

*Marcio Pochmann é professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp, é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Texto publicado no Portal CTB