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Caetano Veloso na frente do espelho

Um dos mais emblemáticos compositores da música popular brasileira, polemista de primeira ordem, já faz parte da história da MPB com sua verve criativa, com melodias e poesias que atingem o âmago do brasileiro, numa das muitas faces deste país. Caetano Emanuel Viana Telles Veloso completa 69 anos neste dia 7 de agosto.

Por Marcos Aurélio Ruy*


O compositor baiano, Santo Amaro, Tem seu primeiro compacto simples gravado em 1965, com as músicas “Cavaleiro” e “Samba em Paz”, portanto, já são 46 anos de carreira profissional de um dos maiores compositores da MPB de todos os tempos. Sofre influências que vão de Luiz Gonzaga, como qualquer nordestino, a Bob Dylan passando por Beatles, Rolling Stones, Jimi Hendrix, Nelson Gonçalves e outros. Sua maior influência, no entanto, é (o que não é novidade para essa geração) o toque do violão e o modo de cantar inovadores da bossa nova de João Gilberto.

Como todos de sua geração enfrentou a barra da ditadura (1964-1985) pela qual se viu forçado a uma resistência à censura e à própria ditadura fascista. E, mesmo não sendo de esquerda, foi preso pelo regime, juntamente com Gilberto Gil e exilado em Londres onde ficou até 1972, quando retornou definitivamente ao país. Antes do exílio, porém, participou dos grandes festivais de MPB dos anos 1960. Quando em 1967 ficou em quarto lugar no Festival da Record com a canção “Alegria Alegria”.

Mas em 1968 já mostrava uma de suas faces mais marcantes: o tom polemista ao proferir famoso discurso sob sonoras vaias no Festival da Globo ao interpretar a música “É Proibido Proibir”. E num rompante emotivo, compreensível por ele ter apenas 26 anos na época esculachou com o público perguntou “mas isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?” e ainda emendou “vocês têm a coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado? São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem?”, além disso, Caetano comparou os que o vaiavam aos truculentos integrantes do Comando de Caça aos Comunistas que invadiram o Teatro Ruth Escobar em São Paulo, em 1967, para espancar os atores da peça “Roda Viva”, de Chico Buarque.

Exageros a parte, Caetano Veloso já mostrava uma de suas características principais: o gosto pela polêmica e certo ar narcisista que ele mesmo escreve na música “Sampa”, onde diz que “Narciso acha feio o que não é espelho.” Em termos ideológicos Caetano está para mais para o liberalismo de Bob Dylan do que para a visão revolucionária de John Lennon. Talvez essa visão direitista o tenha colocado em cheque quando na se vê saída nas crises agudas do capitalismo e de governos neoliberais como o de FHC, que contou com apoio explícito de Caetano, se veem sem saída para os dilemas criados por sua política de desmantelamento do Estado e das nações, submetendo-se aos ditames imperialistas.

Sem fazer patrulhamento ideológico, outro termo muito utilizado por Caetano Veloso para atacar quem o detratava, o compositor baiano entra em polêmicas, por vezes inteiramente desnecessárias, como quando atacou o ex-presidente Lula, taxando-o de “analfabeto” e de oratória “cafona”, com intuito de favorecer a sua suposta candidata à Presidência da República. O resultado de sua verborragia foi um sonoro pito público que tomou de sua centenária mãe, a dona Canô, desautorizando-o a falar em nome da família. O problema de Caetano Veloso é justamente a suas maneira ácida e expressar suas opiniões, as quais respeitamos desde que sejam baseadas em ideias e não em ataques virulentos e pessoais.

Como um dos grandes pilares do tropicalismo, Caetano Veloso elevou a MPB a níveis altíssimos, juntamente com Gilberto Gil, Milton Nascimento e Chico Buarque. Tornou-se dos maiores representantes da cultura brasileira através de sua música em que mostra uma face do Brasil inconformado como em “Alegria, Alegria” ou “Você Não Entende Nada”, “Terra”, “Um Índio”, “Canto de um Povo de um Lugar”, “Panis et Circenses”, “Enquanto Seu Lobo Não Vem” – em que há citação do hino “A Internacional” no fundo musical -, “Você É Linda”, “Leãozinho”, “Língua”, “Podres Poderes”, “Haiti”, “Rap popconcreto”, entre muitas outras canções guardadas nos corações e mentes dos brasileiros. Neste dia 7 parabéns Caetano Veloso pelos seus 69 anos e por toda sua extensa obra que nos retrata tão bem.

*Marcos Aurélio Ruy é jornalista e colaborador do Vermelho

É proibido proibir (1968)

A mãe da virgem diz que não
E o anúncio da televisão
E estava escrito no portão
E o maestro ergueu o dedo
E além da porta há o porteiro, sim
Eu digo não
Eu digo não ao não
Eu digo
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir

Me dê um beijo, meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estantes, as estátuas
As vidraças, louças, livros, sim
Eu digo sim
Eu digo não ao não
Eu digo
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir

Canto do povo de um lugar (1975)

Todo dia o sol levanta
E a gente canta
Ao sol de todo dia

Fim da tarde a terra cora
E a gente chora
Porque finda a tarde

Quando a noite a lua mansa
E a gente dança
Venerando a noite

Madrugada, céu de estrelas
E a gente dorme
sonhando com elas.

Terra (1986)

Quando eu me encontrava preso
Nas celas de uma cadeia
Foi que eu vi pela primeira vez
As tais fotografias
Em que apareces inteira
Porém lá não estavas nua
E sim coberta de nuvens

Terra, Terra
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Ninguém supõe a morena
Dentro da estrela azulada
Na vertigem do cinema
Manda um abraço pra ti, pequenina
Como se eu fosse o saudoso poeta
E fosses a Paraíba

Terra, Terra
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Eu estou apaixonado
Por uma menina terra
Signo do elemento terra
Do mar se diz terra à vista
Terra para o pé, firmeza
Terra para a mão, carícia
Outros astros lhe são guia

Terra, Terra
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Eu sou um leão de fogo
Sem ti me consumiria
A mim mesmo eternamente
E de nada valeria
Acontecer de eu ser gente
E gente é outra alegria
Diferente das estrelas

Terra, Terra
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

De onde nem tempo nem espaço
Que a força mande coragem
Pra gente te dar carinho
Durante toda a viagem
Que realizas no nada
Através do qual carregas
O nome da tua carne

Terra, Terra
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

"Nas sacadas dos sobrados
Da velha São Salvador
Há lembranças de donzelas
Do tempo do imperador
Tudo, tudo na Bahia
Faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito"

Terra,Terra
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Zera a reza (2000)

Vela leva a seta tesa
Rema na maré
Rima mira a terça certa
E zera a reza

Zera a reza, meu amor
Canta o pagode do nosso viver
Que a gente pode entre dor e prazer
Pagar pra ver o que pode
E o que não pode ser
A pureza desse amor
Espalha espelhos pelo carnaval
E cada cara e corpo é desigual
Sabe o que é bom e o que é mau
Chão é céu
E é seu e meu
E eu sou quem não morre nunca

Vela leva a seta tesa
Rema na maré
Rima mira a terça certa
E zera a reza

Enquanto Seu Lobo Não Vem (1967)

Vamos passear na floresta escondida, meu amor
Vamos passear na avenida
Vamos passear nas veredas, no alto meu amor
Há uma cordilheira sob o asfalto

(Os clarins da banda militar…)
A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas
(Os clarins da banda militar…)
Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas
(Os clarins da banda militar…)
Presidente Vargas, Presidente Vargas, Presidente Vargas
(Os clarins da banda militar…)

Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil
Vamos passear escondidos
Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou
Vamos por debaixo das ruas

(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das bombas, das bandeiras
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das botas
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das rosas, dos jardins
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo da lama
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo da cama

Língua (1984)

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
Fala Mangueira! Fala!

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Se você tem uma ideia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem