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Estudo mostra como o real valorizado provoca desindustrialização

O real valorizado em mais de 30% anulou a proteção dada à indústria brasileira pelas tarifas de importação e induziu um processo de desindustrialização. As alíquotas aplicadas representam hoje incentivo para as importações em 25%, já que estão na prática em níveis negativos comparado ao que o país negociou na Organização Mundial do Comércio (OMC).

A conclusão é de uma pesquisa dos professores Vera Thorstensen, Emerson Marçal e Lucas Ferraz, da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (SP), com apoio do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea). O texto foi apresentado no Grupo de Evian — uma coalizão na Suíça que reúne líderes empresariais e governamentais, e será discutido num fórum público na OMC em setembro.

Os autores levam em conta diferentes estudos sobre desalinhamentos cambiais, apontando valorização de mais de 30% da moeda brasileira, desvalorização de 10% do dólar americano e de 20% a 30% no caso do yuan da China. "Sim, estamos diante de um quadro de guerra comercial", diz o estudo. Mostra que a existência conjunta de países com moedas valorizadas e desvalorizadas por longos períodos de tempo significa que as tarifas de importação no Brasil foram reduzidas a pó.

Assim, para o câmbio valorizado em mais de 30% no Brasil, as tarifas médias consolidadas na OMC, que variam de 12% a 50%, passam a variar entre 5% e -22%, sendo a grande maioria de valores negativos. Quanto às tarifas médias realmente aplicadas, entre 0% e 22%, passam a valer -14% e -30%.

Para países com câmbio desvalorizado, como é o caso dos Estados Unidos, China e outros asiáticos, os efeitos sobre as tarifas brasileiras são considerados "alarmantes". Enquanto o Brasil oferece, pelo câmbio, acesso mais aberto a seu mercado brasileiro do que negociou na OMC, o ajuste da desvalorização cambial nos EUA e na China representa uma sobretaxa em suas importações — uma barreira mais eficiente do que as tarifas.

O câmbio nunca foi incorporado nas regras da OMC e sempre foi declarado como assunto para o FMI. O Brasil foi o primeiro país, na crise atual, a levar o problema para a OMC. Mas boa parte dos membros se recusam a discutir os efeitos do câmbio no comércio. Aceitaram em todo caso a formação de um grupo de trabalho que, inicialmente, vai elaborar estudos e seminários para oferecer soluções aos conflitos gerados.

Segundo o estudo, porém, a OMC não poderá ignorar por muito mais tempo o impacto do câmbio nas trocas internacionais, já que os desalinhamentos cambiais têm mais efeito que as tarifas e os instrumentos de defesa comercial. Quem tem moeda desvalorizada dá na prática subsídio a exportação e sobretaxa importação, obtendo vantagem desleal e causando mais fricções internacionais.

Também os instrumentos como antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas ficam anuladas pelo câmbio. O próprio mecanismo de solução de controvérsias perde força, quando as retaliações são autorizadas sob a forma de elevação de níveis de tarifas. Para os autores, é imperativo que os países negociem um mecanismo que neutralize os efeitos do câmbio, para não se envenenar ainda mais o comércio mundial.

Agricultura

A indústria não é o único setor prejudicado nesse cenário. Vários segmentos do agronegócio estão sofrendo uma "enxurrada" de produtos importados, sobretudo do Mercosul. Segundo os produtores nacionais, o câmbio valorizado e a alta carga tributária prejudicam a competitividade do setor.

Representantes das cadeias produtivas do leite, trigo, carne e vinho reclamaram nesta quinta-feira, durante audiência na Comissão de Agricultura do Senado, do aumento nas importações desses produtos, vindos dos vizinhos Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile. "O problema do setor, hoje, é mais cambial do que de custo", afirmou Rodrigo Alvim, presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA).

Os dirigentes afirmaram que o real valorizado aumenta as importações e desestimula as exportações. "O câmbio atual dispensa comentários. As medidas do governo são mais para não deixar o dólar cair mais do que para recuperá-lo", disse Antonio Camardelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).

A importação de farinha de trigo tem "inviabilizado" as indústrias instaladas no sul do país e reduzido o mercado para os produtores de trigo, disse Carlos Poletto, presidente da cooperativa Cotrijuí. A produção nacional do cereal saltou de 2 milhões para 5 milhões de toneladas entre 2007 e 2011. O consumo segue estagnado em 10 milhões de toneladas. "Só no ano passado importamos US$ 1,5 bilhão em farinha."

Já o segmento leiteiro fala em "importações predatórias", principalmente do Mercosul. E pede cota para países que ultrapassaram as médias de exportação neste ano. "Estamos acabando com o setor leiteiro no Brasil nesse ritmo", disse Rodrigo Alvim. Desde 2009, o segmento apresenta déficits. Em 2010, a diferença entre importações e exportações foi de US$ 195 milhões. Neste ano, até julho, chegou a US$ 262 milhões.

A produção de vinhos no Brasil também "sofre". Segundo Carlos Paviani, diretor-executivo do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), o segmento paga até 52% de imposto em uma garrafa. O produtor argentino, 25%. O chileno, 30%. A cobrança é "exagerada". "O grande vilão é o câmbio. Por isso, o produtor está investindo mais na produção do suco de uva do que no vinho", disse. Em 2010, o déficit no vinho somou US$ 245 milhões. Neste ano, o valor é parecido.

Da Redação, com informações do Valor Econômico