Crise faz brasileiros que vivem em Portugal retornar
Quando chegou, há 10 anos, Alessandra Lopes Oliveira, de 25 anos, encontrou Portugal num momento em que o país passava a adotar o euro e numa década de crescimento, mesmo que tímido. A moeda única facilitou o acesso ao crédito externo e atraiu dinheiro ao mercado interno. No próximo dia 26 ela deixa um país em recessão, sob intervenção do FMI e com desemprego recorde.
Publicado 07/08/2011 15:19
“Estou indo pelo mesmo motivo que vim: dinheiro. Ouvi dizer que há muito serviço lá [no Brasil], que vou chegar trabalhando”, diz o marido dela, o serralheiro Alan Kaster Lopes, de 23 anos, em Portugal desde 2007.
Os dois são os últimos das respectivas famílias ainda morando no país europeu – e juntam-se a um contingente de brasileiros em retorno. “Meu pai e meu irmão foram embora em 2010. A minha mãe também foi, em junho, e montou um mercado em Campo Grande. Vamos os dois trabalhar lá”, diz Alessandra.
Esse fluxo não é controlado com precisão, seja pelo governo brasileiro ou pelo português, em grande parte por conta de irregularidades na imigração. Um dos indicadores possíveis para medi-lo, contudo, é o volume de pedidos de ajuda ao Programa de Retorno Voluntário da Organização Internacional para a Migrações, órgão da ONU que paga o bilhete de volta para imigrantes em situação precária.
De 2007 para 2010, o número de pedidos de brasileiros em Portugal disparou: foi de 320 para 1.791, crescendo mais rapidamente do que a média de todas as nacionalidades. Em 2011, os brasileiros representam 88% do total de inscritos, ante 69% em 2007.
Fila
Na fila de espera está o fotógrafo João (nome fictício), que tem as malas prontas para voltar para o Brasil – ou ir para a rua. "O dono do apartamento deu até o dia 15 de agosto". Com mulher e dois filhos, de 6 e 11 anos, chegou a Portugal em 2010, decidido a ficar. Antes de sair de Belo Horizonte, vendeu a moto e o que mais tinha para comprar as passagens e fazer caixa.
Já em Lisboa, desempregado, vivendo de bicos, João vendeu o que sobrou: a máquina fotográfica e os cordões de ouro. "Virou comida. Gastei mais para vir do que fiz aqui", avalia.
"Existe um fluxo de retorno para o Brasil e a tendência é aumentar. Todo brasileiro conhece alguém que quer voltar", diz Carolina Nunan, que pesquisa o tema na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e na Universidade Técnica de Lisboa.
Diretor de uma transportadora, Ari Gonçalves reforça a tese. Ele diz ter feito cerca de 400 mudanças para o Brasil a partir de Portugal neste ano. "Já foram 18 contêineres e já temos mais dois por enviar. Tem muita gente indo embora. Os clientes dizem que não vale mais a pena ficar aqui", conta.
O fluxo tem sido percebido pelo Itamaraty. Tanto os pedidos de ajuda por parte de brasileiros em situação muito precária como de atestados de residência – usados para conseguir isenção de impostos sobre os bens que vão na mudança – têm aumentado nos consulados, segundo a chefe da Divisão de Assistência Consular, Ministra Luísa Lopes. O Consulado em Lisboa não informou o número de pedidos de atestado.
Mas o movimento de retorno, embora exista, ainda não é considerado uma saída em massa, diz Luísa. "A nossa comunidade não está diminuindo consideravelmente em Portugal. Vamos abrir um terceiro consulado em Portugal. Não tem havido êxodo", diz.
Crise na oportunidade
Portugal abriga uma das maiores colônias brasileiras no exterior. Segundo relatório do Itamaraty, em 2008, era a 5ª maior do mundo. Os brasileiros constituem a principal comunidade estrangeira no país, de acordo com o governo português, com 119.363 imigrantes legais, ou 27% do total.
Em 2003, o desemprego português era de 6,3%, quase a metade do brasileiro à época, de 12,4%. Naquele ano, 1 euro valia aproximadamente R$ 3,30. Condições que tornavam Portugal uma oportunidade interessante para fazer a vida no exterior. De lá para cá, porém, ela tornou-se menos atraente.
Com a crise econômica na zona euro, a taxa desemprego em Portugal é que passou a ser o dobro da do Brasil, estando hoje em 12,4%, contra os 6,2% brasileiros. De junho de 2007 a junho de 2011, o número de brasileiros inscritos nos centros de emprego em Portugal continental mais que dobrou: foi de 4.281 para 9.506.
"Não podemos ser alheios à situação econômica. Desde 2006 até agora a situação vem se agravando. A maior parte (dos candidatos) está ou desempregado ou com trabalho precário. Grande parte das pessoas que vêm aqui dizem que no Brasil está melhor e que aqui não compensa", diz Luís Carrasquinho, responsável pelo Programa de Retorno Voluntário da OIM.
Além disso, 1 euro passou a valer cerca de R$ 2,24, e o volume de dinheiro enviado para casa vem caindo. Segundo o Banco de Portugal – o BC local –, em 2008 as remessas de imigrantes para o Brasil somaram 332 milhões de euros (R$ 743 milhões). Em 2010, o valor caiu para 306 de euros (R$ 685 milhões).
'Para Luísa Lopes, do Itamaraty, ao mesmo tempo em que há brasileiros retornando de Portugal, a imigração para o país continua a ser expressiva. "Os brasileiros sabem que há nichos em que conseguem se introduzir com o auxílio das redes sociais. Eles já têm uma ideia bem clara da vaga que vão ocupar", afirma. Dados oficiais do governo português apontam que o número de imigrantes brasileiros legais em Portugal cresceu 2,7% de 2009 para 2010.
Dona de um restaurante brasileiro – na cozinha e na clientela –, a maranhense Kátia Nunes, de 34 anos, não vê queda no movimento. "Tem gente indo embora. Mas todo dia chega. A gente sente falta de um, mas logo vem outro. Parece uma rodoviária isso aqui."
O mineiro Maurílio Andrade Santos, de 29 anos, está pronto para embarcar. Ele viu frustrado o sonho de ir a Portugal, em 2009, para mandar dinheiro para o Brasil, onde pretendia abrir um negócio. "Cheguei na crise, vou sair na crise. Só vou levar o que vivi." Sem conseguir um contrato de trabalho desde abril, apesar de estar legalizado, Santos gastou metade da poupança que tinha feito em Minas. Hoje, consegue viver com os bicos de pintor e montador, mas desistiu. "Para ganhar o que ganho aqui, ganho no Brasil", diz ele.
Fonte: G1