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Brasileiro chama atenção por retratar revolução egípcia

Do outro lado do Atlântico, o brasileiro Carlos Latuff se transformou no cronista mais pungente da revolução egípcia, de seus anseios e sucessos, mas sobretudo de seus contínuos reveses. Poucos na praça Tahrir, centro da revolta que acabou com o regime de Hosni Mubarak, não sabem quem é Latuff.

E quem não o conhece, certamente já viu um de seus desenhos e caricaturas, onipresentes na praça durante os protestos e no Facebook e Twitter, onde tudo começou e que atualmente ainda têm um forte papel na revolução.

Suas caricaturas coloriram cartazes revolucionários e decoraram barracas e tendas de campanha dos manifestantes que ficaram acampados em Tahrir.

Como pode um homem que não pisou no Egito, que não sabe árabe e que vive a milhares de quilômetros, captar dessa forma um sentimento coletivo e ser capaz de reproduzi-lo em imagens?

"Muita gente pensa que é por causa da minha origem libanesa, pelo lado da minha avó, mas não é isso. Tem a ver com a solidariedade com os povos, sejam árabes, curdos ou de qualquer outro lugar. Considero-me um internacionalista", disse Latuff à Agência Efe por telefone do Rio de Janeiro, onde nasceu em 1968.

Não fala árabe, mas conta com uma equipe de colaboradores e amigos que o ajudam a traduzir o texto em seus desenhos, embora em muitos casos estes falem por si sós.

Para estar permanentemente em dia com tudo o que ocorre tão longe, Latuff se abastece, sobretudo por meio do Twitter, a grande fonte de informação da revolução egípcia, na qual os jovens escrevem de forma imediata qualquer coisa que acontece.

"Eu sempre escolho um lado, não pretendo ser neutro, e neste caso meu lado é o do povo egípcio", disse Latuff, que apesar de tudo não se considera o "desenhista oficial" da Revolução do 25 de Janeiro, que conseguiu derrubar Mubarak.

O brasileiro acredita que a queda de Mubarak "não significa o final da revolução, como muitos achavam, portanto é preciso continuar apoiando o povo egípcio até que consiga a democracia".

Para muitos, esse afã de Latuff por se transformar em "a voz do povo" lhe abriu portas de um país que está refletido em seus desenhos.

Como disse o caricaturista egípcio Amr Selim ao jornal Al-Ahram Online, Latuff "criticou a ditadura egípcia quando estava em seu apogeu, por isso que ninguém deveria se surpreender agora ou depreciá-lo por ser brasileiro".

"Da mesma forma", insistiu, "esperaria-se que eu, um caricaturista egípcio, não desenhasse nada relacionado com o que acontece no Iêmen, Palestina ou EUA".

Para outros, no entanto, Latuff não deixa de ser um estrangeiro, com um conhecimento parcial e limitado da realidade que o inspira tanto.

Não há dia em que as redes sociais deixem de apresentar alguma polêmica relacionada a Latuff. A última delas, a acusação de ser "sionista", é provavelmente a mais errada de todas.

"Estive 15 dias na Palestina em 1999. Depois daquela experiência, decidi voltar a apoiar o movimento palestino", assinala sobre esta causa que defende com ardor, e em muitas ocasiões acaba atingindo Israel.

No entanto, o fato de não ser imparcial também se voltou contra ele mesmo e contra suas causas em algumas ocasiões.

Um dos episódios mais dolorosos para o desenhista foi a reação que provocou por causa de uma caricatura que caçoava o rei saudita, Abdullah bin Abdul Aziz, para apoiar as mulheres que desafiaram a proibição de dirigir nesse país.

Algumas delas se queixaram ao considerar que, ao invés de ajudá-las, essa falta de respeito prejudicou seu objetivo.

"Teve gente que protestou. Por respeito a essas mulheres, tirei o desenho do meu site, sua luta é muito importante", assegura, embora reconheça que "está suscetível a este tipo de coisa".

E embora não se arrisque em adivinhar o rumo que o Egito tomará – "ninguém poderia ter previsto a queda de Mubarak" –, não viajará ao Cairo, por enquanto, para comprovar "in situ".

Tem medo de ser detido: "Tenho certeza de que o Conselho Superior das Forças Armadas pode inventar algo contra mim, inventar uma desculpa para me prender e me expulsar. Temo que me detenham no próprio aeroporto".

Com informações do UOL