Risco de "fuga de capitais" entra no radar do governo
Há no governo um forte temor em relação a uma eventual disparada das remessas de lucros e dividendos de filiais de multinacionais europeias aos seus países de origem, derivada de um aprofundamento da crise econômica no continente.
Publicado 14/09/2011 18:12
Os efeitos negativos da crise da dívida na Europa teriam, na avaliação da presidente Dilma Roussef e sua equipe econômica, potencial para alimentar uma eventual "fuga de capitais" em caso de uma piora significativa no cenário econômico desses países, segundo apurou o Valor.
Pressionadas por suas matrizes e pelos governos, cuja situação é considerada delicada, como Espanha, Portugal e Itália, essas filiais brasileiras tenderiam a socorrer seu "caixa central" por meio das remessas.
Esse movimento, classificado como um "efeito colateral" da crise, foi assunto de discussões entre a presidente e seus auxiliares diretos na área econômica antes da decisão do Banco Central de cortar os juros. A preocupação também se estende a empresas de origem norte-americana.
O setor mais "sensível", segundo o governo, seria o de telecomunicação, onde o capital italiano, espanhol e português tem forte peso. Nesses casos, o governo teme, ainda, que a piora na crise europeia prejudique, por exemplo, os investimentos necessários para desenvolver o Programa Nacional de Banda Larga, cuja estimativa prevê a necessidade de R$ 70 bilhões entre 2012 e 2016. Empresas de outros setores, como bancos e automóveis, também poderiam sofrer pressões de matrizes e governos de seus países para elevar as remessas, avalia o Palácio do Planalto.
A avaliação do governo sobre a crise econômica mundial inclui uma significativa redução nas exportações brasileiras, com uma pressão extra sobre a indústria e prejuízos relevantes ao agronegócio em função de uma eventual redução na demanda externa. A China, embora possa ser beneficiada de alguma forma por esse movimento no comércio exterior, detém US$ 1,2 trilhão em títulos da dívida dos Estados Unidos, o que coloca o gigante asiático em situação desconfortável.
A crise da dívida nos países da Europa, segundo avaliação do Palácio do Planalto, é "gravíssima". A situação financeira da Grécia, à beira de um colapso, deve "arrastar" o continente para uma profunda e duradoura crise. Os países em situação de maior fragilidade, como Espanha, Portugal, Irlanda e Itália, devem mergulhar em uma longa recessão.
Além disso, avalia-se internamente que a crise nos EUA é "política" e só deve ser encerrada com as eleições presidenciais, em novembro de 2012. O presidente Barack Obama está fraco, perdeu o controle sobre o Congresso e sofrerá com as restrições políticas e a guerra partidária até o dia da eleição.
No Palácio do Planalto, mesmo após a enxurrada de críticas aos novos rumos da política monetária, a presidente e seus auxiliares diretos argumentam que o Banco Central agiu de forma preventiva ao antecipar alguns efeitos do aprofundamento da crise econômica mundial. O governo, segundo esse entendimento, "aproveitou" o momento de crise aguda para forçar uma queda de juros baseada em um esforço fiscal significativo. Em conversas reservadas, a presidente Dilma Rousseff, o presidente do BC, Alexandre Tombini, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, entenderam que não poderiam repetir erros de avaliação ocorridos durante a crise financeira global de 2008 ao não forçar uma redução mais significativa dos juros à época da quebra do Lehman Brothers. Em postos de comando privilegiados no então governo Luiz Inácio Lula da Silva, avaliam ter perdido, à época, a chance de adotar exatamente a mesma estratégia decidida neste momento. Daí, a defesa radical do movimento do BC e da decisão de "poupar" R$ 10 bilhões em gastos para garantir uma blindagem adequada contra a crise mundial por meio da elevação do superávit primário.
Fonte: Valor