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CIA e FBI lucraram com ideia de aproximação entre crime e terror

Embora sempre tenha existido uma ideia de aproximação entre terrorismo e crime organizado transnacional, depois dos ataques terroristas de 11 de setembro, analistas passaram a defender que essa interação tendia a aumentar. Para o pesquisador da PUC-SP, Paulo Pereira, contudo, mais que uma realidade, essa é uma percepção que foi construída pelas agências de inteligência e aplicação da lei norte-americana, com o objetivo de ampliar suas prerrogativas de atuação e angariar mais recursos.

A ideia difundida pelos Estados Unidos era a de que a relação terror-crime transnacional ganharia conotação de uma “ameaça catastrófica” aos Estados. Isso porque, após os ataques às torres gêmeas, existiria um reforço na segurança, e os terroristas ficariam mais coagidos. Pressionados, ele buscariam apoio logístico, material e financeiro em novas fontes, incluindo aí o crime transnacional organizado.

Para os terroristas, seria uma maneira de conseguir documentos falsos, assistência em viagens clandestinas, armas contrabandeadas, entre outros. Já do lado do crime transnacional, representaria uma alternativa de ampliar os lucros.

“A mínima distinção que existia entre esses dois grupos começa então a se nublar nos últimos anos. E começa a ser vista a possibilidade de haver uma migração de uma esfera para a outra,”, explicou Paulo Pereira, durante o seminário “11 de Setembro – O mundo depois de uma década de guerra contra o terror”, promovido pela PUC-SP, em parceria com o Ipea, nestas quarta (14) e quinta (15).

“A minha avaliação é que essa é uma percepção construída pelas agências de segurança dos EUA (CIA e FBI) para atender aos seus interesses burocráticos”, disse o pesquisador. A partir dessa perspectiva “construída”, aspectos legislativos (USA Patriot Act e Intelligence Reform and Terrorism Prevention) dos Estados Unidos passaram a viabilizar uma atuação das agências de segurança internacionalmente.

“Em função dos atentados, esses grupos tiveram grandes resultados de alocação de maiores recursos e uma expressão maior dentro do governo estadunidense, com o aumento de suas prerrogativas” , completou.

De acordo com ele, essa ideia de aproximação entre terrorismo e crime organizado reforçou a crítica que já existia à distinção entre segurança doméstica e segurança internacional; inseriu o comércio, as viagens e as finanças internacionais no rol de temas securitizados e aprofundou a internacionalização da criminalização de determinadas práticas.

Com essas novas leis estadunidenses, houve a tipificação de novos crimes, o aumento das penas contra terroristas e a ampliação da autoridade de oficiais para interceptar e monitorar comunicações, focar em crimes de computador e lavagem de dinheiro. Com a legislação, também houve o reforço no controle da fronteira, a ampliação das prerrogativas para detenção e deportação de suspeitos e acelerou-se a convergência entre agências de inteligência.

“O FBI, por exemplo, se tornou muito mais ativo e menos reativo”, citou Paulo Pereira. Ele atesta, no entanto, que essa ampliação de atuação não trouxe, necessariamente, resultados positivos. “Segundo relatório do Congresso estadunidense de 2010, o Departamento de Justiça diz que, desde 11 de setembro de 2001 até 2003, mais de dois terços das condenações por terrorismo internacional foram feitas erroneamente. E, obviamente, essas agências estavam envolvidas nesse processo”.

Paralelamente, houve também uma série de eliminação de restrições a determinadas práticas de interrogatório, como a tortura. Também permitiu-se que a CIA aumentasse as detenções secretas e o movimento desses detidos para países em que os interrogatórios “mais severos” poderiam ser realizados. “O debate público sobre isso e as prerrogativas formais deixados de lado”, encerrou o professor.

Paquistão

O pesquisador Edson José Neves Júnior, da Ufrgs, que também participou do seminário, defendeu a hipótese de que, a partir do Paquistão, se irradiam grupos terroristas para outras regiões. Segundo ele, o próprio governo tem conhecimento e se aproveita da guerra irregular complexa promovida por esses grupos.

Edson Neves detalhou que, no Paquistão, há duas zonas autônomas – a Caxemira Livre a as áreas tribais. “O Paquistão deixou essas duas áreas livres para poder dizer que os ataques partiram dali e que o governo nacional não tem nada a ver com isso. Lá está a maior parte dos campos de treinamento e é onde o serviço secreto paquistanês mais atua. Essa é uma política deliberada de Islamabad para poder se safar da culpa de usar guerra irregular nas fronteiras com a índia e o Afeganistão”, disse.

Edson Neves afirmou que, apesar desse contexto, o Paquistão convenceu os Estados Unidos de que era importante seu ingresso na guerra contra o terror ao assumir alguns compromissos, que não chegou a cumprir. Entre eles, estavam: deter a Al-Qaida, encobrir vôos noturnos estadunidenses e condenar os ataques de 11 de setembro.

Com a participação na guerra ao terror, o Paquistão passou a contar com um auxílio militar de US$ 1,5 bilhão e ajuda social de US$1 bilhão, teve sua dívida perdoada parcial ou integralmente junto a 15 países que integravam a coalizão e lhe foram abertas novas linhas de crédito com o FMI. Além disso, segundo o pesquisador, “a ditadura do Pervez Mucharaf foi aceita como benéfica”.

De acordo com ele, contudo, a contrapartida não foi à altura. Edson Neves declarou, em sua fala, que as organizações que foram postas na ilegalidade no Paquistão mudaram de nome e voltaram a funcionar. Segundo ele, mais de 500 líderes de organizações foram presos, mas liberados em seguida, por falta de provas. E os ataques no Wiziristão contra líderes tribais só aconteceram porque não havia mais como “enrolar os Estados Unidos”.

O pesquisador afirmou que, com a morte de Osama bin Laden, a tendência é os Estados Unidos deixarem a região em 2014, como previsto. “Os EUA têm história de intervenção disfarçada de ‘missão’. No Afeganistão, de 79 a 89, eles deram armas para os guerrilheiros, destruíram o país e depois foram embora. Saíram sem deixar o dinheiro para a reconstrução”.

Segundo ele, a ‘missão’ de capturar Bin Laden foi cumprida. E isso, combinado aos elevados custos da guerra e à perda do apoio interno, faz crer na retirada das tropas. Como resultado, contudo, o Paquistão perderia a ajuda financeira. “Então, o Paquistão, com a utilização de seu serviço secreto, tem atacado cada vez mais as tropas norte-americanas, para tentar obrigá-las a ficar no país. Ou seja, a violência tende a crescer”, disse.

Edson Neves afirmou que a intervenção estrangeira dos EUA no Afeganistão e na fronteira com o Paquistão tem aumentado a atividade radical na região. “Imagino que, com a saída das tropas, o terrorismo continuará a existir na região, mas como antes: focado contra a Índia ou na tentativa de fazer parte ou retomar o governo do Afeganistão”.

Da Redação,
Joana Rozowykwiat