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Cinema: um buraco no muro e o mundo lá fora

Alunos de Comunicação da Unesp (Bauru) fazem filme para debater a vida do povo.

Por José Carlos Ruy

Abel contra o muro - Divulgação

O garoto Abel, criado por uma tia que não o deixa sair de casa, observa a riqueza do mundo através de um buraco no muro do quintal. A imagem é uma metáfora de separação, de segregação e curiosidade – e é também a chave para a descrição da vida dura dos moradores da periferia de uma grande cidade. Assim é o média-metragem Abel Contra o Muro, trabalho de conclusão de curso de alguns alunos do curso de Comunicação na Unesp, em Bauru, e que vai despertando a atenção por onde é exibido e, também, nos espaços da internet.

Alexandre B. Borges (diretor) e João Perussi (produtor) fizeram um filme de orçamento escasso, do tamanho das pretensões de um trabalho escolar. Contam que Abel Contra o Muro custou cerca de R$ 15 mil, parte dos quais (R$ 2.350) arrecadados através do Catarse (plataforma de financiamento colaborativo de projetos). Envolveu 40 pessoas entre técnicos e atores, além dos moradores do Jardim Nicéia, em Bauru, cenário do filme. Foram 67 moradores que participaram como figurantes e tiveram uma convivência íntima com a produção da obra, que demorou dez meses, durante os quais técnicos, atores e figurantes partilharam o cotidiano do bairro.

A metáfora do isolamento e do contato meramente visual com a realidade externa ao muro descreve também a situação e os dramas dos moradores do Jardim Niceia, um bairro pobre e carente incrustado no meio de ricos condomínios. Se o muro de Abel é de tijolo e, assim, concreto, a separação entre o Jardim Niceia e os condomínios de luxo é simbólica mas tão real quanto aquela, um muro imaginário que determina a cada setor da população o espaço que lhe cabe e do qual só em algumas circunstâncias podem sair, como por exemplo para trabalharem como prestadores de serviços (domésticas, seguranças, etc.) aos felizardos que habitam o outro lado.

Alexandre B. Borges e João Perussi atualizam, meio século depois, de certa maneira, a tese glauberiana “uma ideia na cabeça e uma câmara na mão”. Orçamento baixo, uma ideia a demonstrar, uma denúncia a fazer, e o povo como protagonista – e que foi, aliás, o primeiro e privilegiado público do filme. Abel contra o muro estreou no dia 7 de setembro, numa sessão ao ar livre justamente no bairro que foi o seu cenário, o Jardim Niceia, e emocionou os moradores (figurantes ou não) que puderam se reconhecer na telona armada no campinho de futebol local, identificar casas, ruas, amigos. E ver sua cotidiano retratado numa obra que vai servir para debater a situação em que o povo vive e estimular a busca de soluções.

A estreia foi a abertura de um autêntico circuito popular, que prevê a exibição do filme em cineclubes e através de parcerias com o Circuito Fora do Eixo e com o Clube de Cinema Fora do Eixo. Os realizadores do filme esperam envolver, na primeira rodada, mais de 2.000 pessoas. A turnê inicial, que vai de 12 a 20 de setembro, passará por várias cidades paulistas (Sorocaba, Marília, Bauru, Ribeirão Preto, São Carlos, Campinas e São Paulo), prevendo, além da exibição, a realização de debates com o diretor Alexandre B. Borges e o produtor João Perussi. Informações sobre a turnê podem ser obtidas através do endereço eletrônico turneabelcontraomuro.tnb.art.br.


Seguem o trailer e depoimento dos realizadores

Abel contra o muro – trailer oficial from João Perussi on Vimeo.