Congresso dos EUA ameaça cortar repasses à ONU
O Congresso dos Estados Unidos deverá analisar nas próximas semanas um projeto de lei que implica reduzir em 50% a sua contribuição à ONU (Organização das Nações Unidas) e que, caso prospere, deixará este país fora do Conselho de Direitos Humanos.
Publicado 18/10/2011 16:53
O projeto de lei Reforma, Transparência e Responsabilidade da ONU também prevê retirar sua contribuição a qualquer programa ou agência das Nações Unidas que melhore o atual status de “observador” da ANP (Autoridade Nacional Palestina) e à agência que desde 1949 ajuda os refugiados desse povo.
Ainda não se sabe quando o projeto será votado na Câmara de Representantes, onde os legisladores do opositor Partido Republicano são maioria. Ainda que seja aprovado nessa casa, é pouco provável que ocorra o mesmo no Senado, onde o Partido Democrata tem maioria. Mesmo chegando a receber luz verde nas duas casas, a secretária de Estado, Hillary Clinton, declarou que insistirá com o presidente Barack Obama para que ele o vete.
O Comitê de Assuntos Exteriores da Câmara de Representantes aprovou esta iniciativa, com 23 votos a favor e 15 contra, para o caso de não serem feitas grandes reformas na ONU. A decisão foi tomada no dia 13, um dia após a divulgação do resultado de uma pesquisa de opinião segundo a qual as Nações Unidas têm grande apoio da população norte-americana.
“O projeto de lei exige ações que limitarão seriamente a participação dos Estados Unidos na ONU, prejudicando compromissos de longa data, bem como os interesses nacionais deste país, de nossos aliados e a segurança dos norte-americanos no país e no exterior”, disse Clinton.
A secretária de Estado enviou uma carta à presidente do Comitê de Assuntos Exteriores e incentivadora do projeto de lei, Ileana Ros-Lehtinen, representante do Estado da Flórida, e ao democrata Howard Berman, representante da Califórnia.
Agenda republicana
Diversos analistas afirmam que é preciso dar atenção à iniciativa, apesar de seu futuro incerto. “Embora seja pouco provável sua aprovação este ano, deve ser levada a sério porque fixa a agenda dos republicanos”, alertou Don Kraus, diretor da organização Citizens for Global Solutions (Cidadãos por uma Solução Global). “O projeto pode reaparecer em 2013, quando o controle do Congresso e da Casa Branca mudar e tiver mais possibilidades de ser aprovado”, ressaltou.
O projeto é uma das estratégias de uma campanha dos republicanos contra a ONU e suas agências especializadas. O Comitê de Assuntos Exteriores, por exemplo, aprovou na semana passada uma medida para acabar com o financiamento do Fundo de População das Nações Unidas no próximo ano, acusado pelos republicanos de promover o aborto e rígidas medidas de controle de natalidade na China. Contudo, a proibição deverá ajustar-se aos US$ 40 milhões aprovados pelo Senado para esta agência no contexto de um projeto de lei de destinação geral.
O Comitê de Destinações da Câmara de Representantes, encabeçado pelos republicanos, cortou em agosto US$ 600 milhões dos US$ 3,5 bilhões solicitados pelo governo para entregar à ONU e às suas operações de paz em 2012. Também eliminou a contribuição deste país para o Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). Além disso, legisladores republicanos pressionam o governo de Obama para que se oponha ao plano da ONU de construir um novo escritório em Nova York.
Divisão do bolo
Os Estados Unidos são o maior contribuinte das Nações Unidas desde sua fundação após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com 22% do orçamento regular e 27% do orçamento das missões de paz. O orçamento deste ano da ONU chegou a US$ 22,3 bilhões, sendo US$ 6,4 bilhões outorgados por Washington. Nove de cada dez entrevistados para a pesquisa, divulgada no dia 12, pela Better World Campaign, disseram ser importante os Estados Unidos manterem um papel ativo dentro da ONU.
“A pesquisa mostrou novamente que os norte-americanos não querem se endividar com a organização”, disse Timothy Wirth, ex-senador e atual presidente da Fundação da ONU. “Uma lei equivocada no Congresso fará os Estados Unidos perderem a liderança na ONU, quando vemos novamente que a maioria dos votantes de todo o espectro político acredita que o país deve ter um papel ativo dentro do fórum mundial”, acrescentou, referindo-se aos 900 entrevistados para a pesquisa.
Trinta oficiais militares, ex-diplomatas e legisladores republicanos e democratas publicaram uma carta de apoio à ONU, na qual há uma velada oposição ao projeto de lei. “Sem dúvida, as contribuições para a ONU devem ser prudentes e sensatas, devemos exigir responsabilidade, transparência e efetividade como de qualquer organização”, diz a carta, assinada por numerosas figuras de destaque do Partido Republicano, incluindo George Shultz, ex-secretário de Estado, William Cohen, ex-secretário de Defesa, e meia dúzia de ex-senadores do partido.
“Ao mesmo tempo, nossa capacidade de compartilhar com outras nações ajuda a dividir o peso do financiamento, promover a estabilidade e reforçar o impacto de nossos recursos debilitará nossa influência e o apoio a nossas prioridades nacionais, ao mesmo tempo em que fortalecerá nossos adversários”, alerta a carta.
Ros-Lehtinen apresentou o projeto de lei com uma série de queixas sobre os orçamentos da ONU, sua suposta postura contra Israel e a falta de transparência. “Não conseguiremos reformas duradouras se continuarmos pagando tudo o que a ONU nos pede, sem consequências quando fracassa”, afirmou, acrescentando que o primeiro objetivo do projeto de lei é obrigar as Nações Unidas a abandonarem seu sistema de financiamento obrigatório por um de contribuições voluntárias no prazo de dois anos.
Se este prazo não for cumprido, segundo o projeto, os Estados Unidos retirarão metade de sua contribuição anual e assim fará até chegar a 80%. A iniciativa também objetiva impor novos requisitos de prestação de contas à ONU para garantir, entre outras coisas, que a contribuição dos Estados Unidos seja usada para “fins específicos fixados pelo Congresso”.
Fonte: Envolverde/IPS