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Guatemala: Por que a direita venceu?

A Guatemala realizou, no domingo (6) eleições para definir o futuro presidente do país. O candidato Otto Pérez Molin do direitista Partido Patriota (PP), teve 54,89% dos votos válidos, uma diferença de 9,78 pontos com relação a seu opositor, Manuel Baldizón. A questão é: por que em um país tão pobre e vitimizado, a direita venceu as eleições?

O processo eleitoral foi marcado por violência e mortes. Ao longo do pleito deste domingo (6), ao menos seis pessoas morreram vítimas de incidentes em vários pontos do país. Também houve registros de pessoas fazendo campanha irregular e outras que tentaram impedir que moradores chegassem aos centros de votação.

Em artigo publicado no site, o jornalista Víctor Alejandro Mojica Páez analisa a vitória do general “mão de ferro” sob a ótica histórica de uma comunidade do interior da Guatemala, Quiché. Ele aponta que “foram contabilizadas umas 440 comunidades massacradas por estes tipos, que hoje chegam ao poder na Guatemala, prometendo uma mão muito dura, quando em Quiché, como no resto do interior de Guatemala, o que se necessita é uma mão muito dura contra a pobreza”.

Acompanhe a íntegra do artigo publicado originalmente no site Otramérica

Já me haviam advertido: “Quiché é uma ironia”. O comentário que me fez um líder comunitário em San Martín de Jilotepeque que conhece como a palma de sua mão o seu país, antes de vir a este povoado, um dos mais massacrados durante a guerra civil (1960-1996), um dos mais pobres do país.

— Irmão, você sabe algo sobre a guerra civil? Consulto um jovem com cara de veterano de guerra — os jovens aqui estão velhos e deteriorados. “Não”, responde.

— Mas aqui mataram muita gente. Não sabia? Não, — disse — não sei.

— Aqui não se fala sobre isso? insisto, já um pouco desorientado. “Não, não sei o que diz. Nunca me disseram sobre nenhuma guerra. No colégio menos”.

É incrível, porque conversei com este indígena ao lado do povoado de Quiché, que em outrora, em 1980 quando intensificaram o massacre, era uma prisão clandestina. O maia se retira. Não sei se o incomodo, e se perde entre o mercado popular que é o seu povo.
Aos guatemaltecos, às suas novas gerações, a esses que foram, em massa, votar, que usam camisetas brancas e se dizem “voluntários” nestas eleições de domingo (6), censuraram seu passado, seus 45 mil mortos oficiais e outros tantos milhares não oficiais.

A guerra parece tão distante (e quase como mentira) para muitos deles, que hoje repetem orgulhosos que votaram por Otto Pérez Molina, um ex militar que participou ativamente como capitão quando o exército desaparecia com seus avós, ou com seus pais.

Não lhes disseram nunca que Quiché, seu povoado, por exemplo, foi cercado pelo exército para capturar seus irmãos maias, acusados de participarem do exército do povo.

Os separavam por homens e mulheres (as crianças eram incluídas). Muitos terminavam em fornos, em buracos onde os tacavam fogo com lenha até ficarem em cinzas, outros eram degolados ou assassinados a tiros; esses que os massacravam por helicópteros, fugiam.

Quiché teve um papel determinante neste conflito, por sua proximidade com a fronteira mexicana, ponto de partida dos guerrilheiros que percorreram a Guatemala. Nas comunidades muito próximas onde me encontro, como Ixcán ou Nebaj as historias relacionadas ao conflito são de terror. Se não morriam os faziam trabalhar como escravos.

Foram contabilizadas umas 440 comunidades massacradas por estes tipos, que hoje chegam ao poder na Guatemala, prometendo uma mão muito dura, quando em Quiché, como no resto do interior de Guatemala, o que se necessita é uma mão muito dura contra a pobreza.

Quiché é líder no país em desnutrição infantil. É muito normal ver as crianças, quase mendigas, vendendo tudo nas ruas, sujos, pedindo moedas. Quiché é um mercado onde todos são empresários (muito informais).

As ruas se perderam entre tantas lonas e indígenas que oferecem o que menos se imagina: pedras, relógios, camisetas do Barcelona, galinhas, sexo, sapatos, roupa maia, maçãs, CDs da Shakira.

É doloroso conhecer este Quiché, sofrido, que vive pior que nessa época tão terrível, e com medo, como me assegurou uma senhora de um restaurante, porque “exigir justiça ou clamar por um familiar morto” ainda pode trazer conseqüências mortais.

Os guatemaltecos que votaram são relativamente jovens e viram, durante toda sua vida, Efraín Ríos Montt, um dos presidentes vinculados aos massacres da guerra, gozar de uma impunidade total, e falar na televisão como deputado do Congresso.

Mais de sete milhões estavam creditados no padrão eleitoral (mais de 50% eram mulheres), dos quais um pouco mais da metade votou neste domingo (6). Uma grande parte do grupo era jovem como o que conheci no parque.

São eles, e a gente urbana, aqueles que têm medo da violência, que não sabem que é passar fome, que exigem do governo medidas apenas para eles, que apóiam o Otto e votaram no Otto. Ao restante, não sobrou mais que Baldizón, ou não votar…

Por isso en Quiché, agora que se conhece o resultado final, as luzes se apagaram cedo como todas as noites. E os indígenas se retiraram para suas aldeias, porque têm que voltar na madrugada desta segunda (7) para continuar vendendo suas vidas e calar quatro anos mais…

Fonte: La Jornada
Tradução: do Vermelho,
Vanessa Silva