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China, uma parceira estratégica que preocupa o Brasil

Desde 2009, a China é o parceiro comercial mais importante do Brasil. É o principal destino das exportações brasileiras e o segundo maior importador de produtos para o país. Mas, se essa relação, por um lado, é tão promissora, por outro, já desperta algumas preocupações. Uma das principais queixas é que, enquanto a China sabe exatamente o que quer dessa parceria, o Brasil ainda estaria se ajustando passivamente às necessidades do gigante asiático.

Por Joana Rozowykwiat

Aperto de mão entre Dilma e Hu Jintao simboliza parceria entre Brasil e China

Entre 2000 e 2010, as exportações brasileiras para a China subiram de US$ 1,1 bilhão para US$ 30,8 bilhões. Ou seja, saíram de 2% do total das exportações do Brasil para 15%. Já as importações brasileiras da China cresceram de US$ 1,2 bilhão (2% do total), para U$ 25,6 bilhões (14% do total).

A aproximação com o país asiático contribuiu para o Brasil reduzir sua dependência em relação aos mercados norte-americano e europeu, deixando o país menos vulnerável. Essa diversificação de parceiros teve um importante papel, por exemplo, no enfrentamento da crise de 2008, já que a China se recuperou mais rápido das turbulências na economia.

Além disso, segundo levantamento divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), na última década, o saldo comercial (total das exportações menos total das importações) foi positivo para o Brasil em seis anos.

No ano passado, por exemplo, o Brasil teve um superávit com a China de US$ 5,2 bilhões. Já em relação aos Estados Unidos, houve um déficit de US$ 8 bilhões. A parceria com a China tem, então, ajudado a equilibrar o balanço de pagamentos do Brasil.

E os laços com os chineses continuam a se estreitar. De janeiro a agosto deste ano, 14,27% das importações brasileiras vieram da China, que foi o destino de 17,43% das vendas do Brasil ao exterior.

Modelo colonial

Mas nem tudo são flores, e muitos são os sinais que apontam para um desequilíbrio na relação sino-brasileira. Um deles é a composição das trocas no comércio entre as duas nações. O que se vê, afirmam analistas e empresários, é a repetição de um velho modelo de exportação de bens primários e importação de produtos industrializados, que sempre pautou a relação de dependência de países subdesenvolvidos com as nações mais ricas.

Apesar do superávit, o Brasil exporta basicamente commodities (matéria-prima) para a China e o que recebe desse país são produtos industrializados, com alto valor agregado. Em 2010, segundo o Ipea, 83% da pouco diversificada pauta de exportações do Brasil para a China foi composta por produtos básicos. Já nas importações, foram 97% de industrializados. E, com o mercado brasileiro – e mundial – invadido por mercadorias chinesas, quem perde é a indústria brasileira.

Os três principais produtos exportados para a China, nos primeiros nove meses do ano, foram minério de ferro (38,7%), soja (28,8%) e óleo bruto de petróleo (10,4%). Já na pauta de importação de produtos chineses – que é extremamente diversificada –, no topo estão transmissores e receptores de telefonia, automóveis, partes de aparelho de ar condicionado e máquinas para processamento de dados. Fica clara a assimetria.

De acordo com o professor do Departamento de Economia da PUC-SP, Antônio Corrêa de Lacerda, a parceria com a China é estratégica, já que se trata da segunda economia mundial. Mas precisa ser de “igual para igual”.

“O que me preocupa é que a China está muito interessada na sua segurança energética e alimentar e, principalmente no que se refere às relações com a África e a América Latina, ela está muito voltada para garantir o suprimento dessas demandas”, afirmou Lacerda à reportagem.

Segundo ele, o Brasil tem interesse em atender a essa necessidade, mas a parceria precisa ir além. “Interessa ao Brasil estabelecer uma parceria que viabilize vender produtos industrializados, atrair investimentos chineses para cá, que transfira tecnologia, que gere empregos aqui. A relação atual, como está, é muito perversa para o Brasil”, opinou.

“Muitas vezes o governo brasileiro se encanta com essa relação com a China, no sentido de não colocar barreiras à entrada de produtos chineses, com a expectativa de vender commodities, mas é uma relação desigual”, continuou Lacerda.

O que tem ajudado a manter o superávit brasileiro é o fato de que a política de exportação chinesa jogou o preço dos produtos industrializado para baixo, ao passo que a grande demanda do país asiático por commodities fez subir o preço dessas mercadorias abundantes no Brasil.

Em outras palavras, o crescimento chinês terminou por alterar um padrão de troca em que, historicamente, produtos básicos custavam uma bagatela e os manufaturados tinham preços elevados.


Entrada de produtos chineses no país já preocupa empresários

A ameaça à indústria

Para o membro fundador da Comissão de Defesa da Indústria Brasileira (Cdib), Manolo Canosa, o principal problema para os fabricantes brasileiros é que o produto chinês entra no mercado em condições muito mais competitivas. Segundo o empresário Roberto Barth, também membro da Cdib, a invasão de produtos chineses a preços baixos nas prateleiras verde-amarelas já está acarretando o fechamento de fábricas.

“Essa importação, que tem acontecido de forma desleal, vem causando um grande dano. Alguns setores definham visivelmente, mostrando já uma desindustrialização”, alertou.

No segmento de escovas, por exemplo, das 40 empresas que há dez anos estavam no mercado, apenas duas mantêm as atividades. No ramo, atuavam 6 mil trabalhadores. Atualmente, são cerca de 350. Já entre as três empresas brasileiras produtoras de ímã de ferrite (utilizado na fabricação de alto-falantes), apenas uma continua funcionando. Um terceiro caso é das empresas que produzem óculos e armações. Se, em 2001, elas eram 300, hoje apenas 15 sobrevivem.

“Nós estamos perdendo produção local, que está sendo substituída por importações. E aí perdemos emprego e renda. O setor dinâmico da economia é a indústria e, aí, nós estamos perdendo terreno”, declarou o professor Lacerda. Ainda de acordo com ele, a indústria de transformação brasileira deverá ter um déficit, não só com a China, mas na balança comercial total, de U$50 bilhões neste ano.

As causas

Mas e por que os produtos chineses chegam ao país tão baratos? Para isso, pesam aspectos tanto da política econômica chinesa quanto da brasileira. Um desses fatores que está prejudicando a produção nacional é o fato de o real está valorizado em relação ao dólar, enquanto o yuan chinês está desvalorizado.

“Estamos falando de uma diferença cambial absurda. Não há como enfrentar produto chinês nessa situação”, reclama Manolo. Nesse contexto, além de o produto chinês chegar ao Brasil mais barato, as mercadorias brasileiras também se tornam mais caras para o comprador estrangeiro, prejudicando os exportadores tupiniquins.

De acordo com Manolo, outro problema é a diferença da carga tributária nos dois países. “Lá eles não têm a carga tributária e os encargos sociais que temos aqui. Não vou nem questionar o salário da mão de obra lá”, comparou o empresário.

O professor Antônio Corrêa de Lacerda acrescenta ainda o fato de a China não seguir determinados padrões no que se refere à propriedade intelectual, tornando mais barato ainda produzir por lá.

Um outro aspecto que tem dificultado a vida das empresas nacionais é a taxa de juros brasileira. “Aqui nós temos os juros mais altos do mundo. Enquanto isso, lá na China, eles têm taxas de juros para a produção, que são subsidiadas pelo governo chinês. Então, por exemplo, para bens de capital, eles têm taxa de juros zero. E aqui, o produtor tem o apoio do BNDES, mas, comparativamente, as taxas são bem mais altas”, analisa Antônio Corrêa de Lacerda.

Além disso, os juros altos atraem investidores norte-americanos que querem aplicar no país, porque têm retorno garantido pela taxa de 12%. Com a grande oferta de dólares, o real se valoriza, acentuando a diferença cambial com a China.

“Nós não somos contra importações, de jeito nenhum. Mas queremos que os produtos importados venham em condições de competirmos, dentro das condições brasileiras”, defendeu Manolo. “É muito fácil você partir de um país que tem uma série de vantagens fiscais, sociais, de juros, e vir se beneficiar de um mercado que é um dos poucos que está crescendo no mundo. Pega só a parte boa”, completou o empresário.

Manolo defende que o empresário chinês que deseja aproveitar o bom momento da economia brasileira deve ter que investir no país. “Porque então esse produtor não vem para o Brasil e instala sua fábrica aqui? Eu não digo que vai vir tecnologia da China, mas vem emprego para o trabalhador brasileiro, vem dinheiro e vem toda a cadeia produtiva daquele produto. Essa é a grande jogada. E aí a competição fica justa e pode vencer o produto melhor”, avaliou.

Reação brasileira

Já sentindo os impactos dessa abertura às importações, o governo brasileiro tem tomado algumas medidas para proteger a indústria nacional. Numa trincheira, tem tentado combater a concorrência desleal, regulamentando leis, reforçado e treinando equipes dos órgãos de defesa comercial e fiscalização e aplicando com mais rigor alguns instrumentos para coibir práticas ilegais, como dumping e triangulação.

Além disso, o governo tem agido pontualmente. No dia 15 de setembro, por exemplo, o governo decretou um aumento de 30 pontos percentuais no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de veículos. Mas a medida causou polêmica e, em 20 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o aumento só valerá a partir de 15 de dezembro, em respeito à legislação. A ideia da atual gestão é fazer com que as empresas que estão enviando seus carros no Brasil passem a produzi-los aqui, gerando empregos no país.

“O governo tem tomado atitudes positivas numa tentativa se salvar a indústria nacional. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior está trabalhando em conjunto com a Receita Federal para fiscalizar as importações, combater as fraudes na declaração de origem. Tem um grupo de inteligência. Então o conjunto da obra é muito positivo”, disse Roberto Barth.

Investimento externo direto (IED)


Os investimentos chineses no Brasil também têm aumentado em grande escala. De acordo com estudo do Ipea, entre 2001-2005 e 2006-2010, houve uma expansão de 294,5% no fluxo de investimento chinês no Brasil. Mas a qualidade desses investimentos e a falta de condições isonômicas para os investidores brasileiros na China também têm sido fontes de críticas.

Isso porque os aportes chineses no país estão associados prioritariamente à produção de matérias-primas e às aquisições de terra – que visam a suprir suas próprias demandas. Em estudo sobre as relações bilaterias entre os países, o Ipea, ao analisar o tipo de investimento chinês no país, conclui que “fica evidente a estratégia chinesa de garantir acesso às fontes de recursos naturais, bem como de tentar influenciar o preço nesses setores” (petróleo, mineração e energia).

Ainda segundo o Ipea, o fluxo de IDE brasileiro para a China, ao invés de também crescer, tornou-se ainda menor entre 2006 e 2010. Isso porque as empresas brasileiras ainda encontram empecilhos para se instalarem por lá. O governo chinês – para proteger a sua indústria – estabelece restrições para o investimento estrangeiro.

“A parceria com a China é muito importante, mas desde que ela invista em setores importantes para nosso país e não só para a China. Porque quando olhamos os atuais investimentos, a maioria é para suprir as necessidades chinesas. Aí acho perigoso”, advertiu Manolo.

O empresário compara a postura dos dois governos: “Você está vendo a diferença? Aqui o chinês investe no que lhe convém. Lá você investe no que convém ao governo chinês”.