Orlando Silva para Jorge Bastos: "Vivi um tsunami político"
Em carta dirigida ao jornalista Jorge Bastos Moreno, do jornal O Globo, o ex-ministro do Esporte, Orlando Silva, fala dos ataques e das calúnias que sofreu recentemente e que culminaram com a sua saída do Ministério do Esporte.
Publicado 12/11/2011 09:12
Em sua mensagem, Orlando diz que nas "últimas semanas viveu um pesadelo" e critica o posicionamento da mídia conservadora que tratou as calúnias dirigidas contra ele como verdades, sem se preocupar, em momento algum, em buscar provas que confirmassem ou desmentissem a farsa.
"Diariamente, dezenas de perguntas chegavam das redações da imprensa e nossa assessoria tinha prazos mínimos para responder. E o que é pior, pouco interessavam as nossas respostas, elas eram ignoradas. As matérias já estavam prontas", ressalta.
Mais uma vez, Orlando afirma com convicção sua inocência. "A realidade é que saí do governo de cabeça erguida. Pela porta da frente, apesar do massacre vivido. Em minha última manifestação, no Palácio do Planalto, disse, olhando nos olhos da presidente da República: sou inocente!", encerra.
Leia abaixo a íntegra da carta de Orlando Silva:
Vivi um tsunami político, mas continuei observando o comportamento de instituições e personalidades. Alguns se distinguiram com a coragem de não aderir pura e simplesmente a uma onda. Encontrar solidariedade em quem me conhece seria natural, o que surpreendeu foram posições de alguns intelectuais, artistas, atletas, gente simples do povo e até de parlamentares de oposição.
Entre jornalistas não foi diferente. Houve quem sugerisse apurar fatos, valorizar o contraditório e não tratar denúncia como prova. A maneira isenta como você se posicionou nesse processo, com as responsabilidades que você possui, me faz lhe dirigir essa carta. E vou tentar fazê-la chegar a outras pessoas e profissionais. Ela é dirigida a você e a muitos outros.
Como disse, nas últimas semanas, vivi um pesadelo. Tudo começou com a reportagem numa revista semanal que eu imaginava ser apenas mais um ataque político, o que, infelizmente, é rotina em nosso país. Eu estava a caminho de Guadalajara, México, para representar o governo na abertura dos Jogos Panamericanos, onde o Brasil tinha a maior delegação da história numa competição internacional e que contou com grande apoio do Ministério do Esporte.
Fiquei perplexo com a informação de que a tal revista iria publicar uma acusação de que eu teria recebido dinheiro indevidamente. Era sexta-feira à noite e a publicação sairia no sábado.
Estou acostumado com luta política, com crítica, divergência ideológica, ataques à gestão, antipatia pessoal, insatisfação com estilo… tudo isso eu sempre compreendi. Mas, mentir!? Inventar uma história para atacar a honra de uma pessoa e de um Partido!? Imaginava que luta política tivesse limites, afinal, até na guerra há limites. Estava enganado. A partir de uma farsa, foi organizada uma verdadeira campanha para me derrubar.
Observem: uma revista fez uma reportagem, com direito a chamada na capa, com base em fatos que simplesmente não existiram. Ultrapassamos o limite do absurdo!
E quem eram os porta-vozes das mentiras? Dois personagens da crônica policial de Brasília. Gente que está sendo processada por iniciativas do Ministério que eu dirigia, e de quem exigimos a devolução de dinheiro publico desviado.
Insisto, veja o absurdo: um sujeito foi flagrado desviando dinheiro público… eu determino que seja feita uma investigação… ao final determino que o dinheiro público seja devolvido… o ladrão inventa uma história… uma revista publica a farsa, sem existir nenhuma prova… os meios de comunicação reproduzem a história sem provas e pronto! A mentira ganha ares de "verdade". E começa a campanha "derruba-ministro".
Neguei a acusação, com veemência. Desde o primeiro momento, afirmei não haver provas, porque simplesmente se tratava de uma mentira. Nunca ocorreu o fato relatado pelos bandidos. Os dias passavam, eu reafirmava que se tratava de uma farsa, e, pasmo, acompanhava a maioria dos meios de comunicação endossando a versão dos bandidos, como se fosse dispensável provar o absurdo que diziam. Bastava acusar.
Passado praticamente um mês eu reafirmo minha primeira manifestação: não houve, não há e não haverá provas, porque a denúncia contra mim não passa de fantasia.
A trama montada serviu para atrair o interesse da população, que olha a política com desconfiança. Mas seria necessário outro passo. Seria necessária "uma prova" para desestabilizar minha liderança no Ministério do Esporte. Uma cruzada foi estabelecida por jornalistas que estavam em busca da tal "prova" ou, como alguns gostam de dizer, da "bala de prata" para derrubar o ministro.
Eu poderia comentar cada uma das centenas de matérias publicadas nas últimas semanas. Todos os contratos e convênios do Ministério foram revirados. Tudo foi investigado. Diariamente, dezenas de perguntas chegavam das redações da imprensa e nossa assessoria tinha prazos mínimos para responder. E o que é pior, pouco interessavam as nossas respostas, elas eram ignoradas. As matérias já estavam prontas.
Na gestão pública, assim como na gestão de qualquer instituição ou mesmo na vida privada, erros podem ser cometidos. Ninguém está imune a eles. O desafio é identificá-los e corrigí-los. Se observarmos minha trajetória e a de minha equipe à frente do Ministério do Esporte, por cinco anos, veremos muitas conquistas. Mas houve erros e atuamos para saná-los. Cumprimos sempre nossa obrigação.
O foco da trama se voltou para convênios com organizações não-governamentais, as chamadas ONGs. Vale dizer que existem ONGs e ONGs, assim como existem governos e governos. Alguns são mais competentes, outros trabalham de forma mais correta. Quem tem má intenção, nunca chega anunciando: "olha…estou mal-intencionado…meus objetivos são sórdidos!" Daí a necessidade de acompanhar, fiscalizar o cumprimento do que foi estabelecido. É o que fazíamos.
Quem se baseou apenas no noticiário, deve imaginar, por exemplo, que o programa Segundo Tempo ocorre apenas em parceria com ONGs. Mas, pasmem, no dia em que saí do governo, mais de 90% do Segundo Tempo eram fruto de parceria com entes públicos. E quem puder ler os relatórios das auditorias feitas, constatará a evolução ano a ano deste Programa.
Outra coisa inacreditável. As reportagens omitiam algo fundamental: o Ministério do Esporte aumentou a fiscalização, o que permitiu identificar erros e tomar as devidas providências administrativas. Deram ares de escândalo ao trabalho de acompanhamento e fiscalização que realizávamos. Isso serviu para criar instabilidade política e atacar meu trabalho na pasta.
Nenhuma prova demonstra benefício ao PCdoB por meio dessas entidades. Mas a acusação tem objetivo político, atacar um Partido que tem 90 anos de história e é limpo. Insisto: divergências políticas e ideológicas fazem parte do jogo, mas acusações falsas… ameaçam a democracia.
Na ausência de provas, o que fazer? A saída foi inventar algo que parecesse razoável: a filiação partidária de alguns gestores públicos. De repente, ser filiado a um partido, no caso ao PCdoB, virou "prova de crime". Se o ministro é do PCdoB, não se pode admitir que um secretário da área seja também. O mesmo vale para entidades. Não se admite que qualquer filiado ao partido participe de entidade. Isso não é democrático. Os partidos políticos são livres e as pessoas têm direito de se organizar como lhes convier. Quem nomeia secretário é prefeito e governador legitimamente eleito.
Os principais meios de comunicação e muitos jornalistas se comportaram como uma manada. É como ataque especulativo na bolsa de valores. O objetivo: desestabilizar e derrubar o ministro. E isso foi conseguido. A receita é assim. Primeiro, cria-se um ambiente de escândalo, para comover a opinião pública. Segundo, ataca-se a gestão – de que forma? Ignorando tudo de positivo feito, apontando qualquer erro e superdimensionando-o para desmoralizar o trabalho realizado. Terceiro, pressiona-se o governo, utilizando todas as ferramentas da política, inclusive contradições internas, para alcançar o objetivo.
E se ainda não for o bastante para atingir o que se pretende, lança-se mão de uma reserva no arsenal de guerra contra a honra alheia: ataques à família.
Aqui tivemos um capítulo à parte. Comprar um terreno de R$370 mil, único bem que possuo, com cheque registrado em escritura e construir uma casa de 110 metros quadrados, virou escândalo. Não interessa que numa família as pessoas tenham suas atividades profissionais e suas relações. No afã de alcançar seus objetivos, para alguns vale tudo, até golpes baixos. Poderia dar outros exemplos, mas fico por aqui. O que eles queriam era me desestabilizar emocionalmente e me fazer jogar a toalha.
Durante todo o processo procurei manter a serenidade, não perder a razão, apesar de ataques tão baixos.
Ofereci a abertura de minha vida: sigilos fiscal, bancário, telefônico e de correspondência. Desmontei a farsa contra mim na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Propus a apuração dos fatos publicados pela Comissão de Ética Pública, pelo Ministério Publico e pela Polícia Federal. Foi minha a iniciativa e tentaram inverter a ordem, como se eu tentasse encobrir algo.
Hoje, inauguramos no Brasil uma Inquisição moderna, não interessa a análise racional de processos. O editorial de um jornalão paulista foi ao âmago da questão: "não importam as provas, não importa o processo, a acusação basta". É uma versão atual da famosa frase "às favas com os escrúpulos". O mau jornalismo pode instituir verdadeiros tribunais de exceção, que realizam julgamentos sumários.
Houve tempo em que nossos companheiros eram perseguidos, presos, torturados e até assassinados. Hoje, o método utilizado é a execração pública, o linchamento político, o apedrejamento moral sem que se dê direito de defesa. E, depois, a mídia age como se nada tivesse acontecido, e passa a buscar uma nova presa. Nesses dias, não saiu do meu pensamento episódios como o de Ibsen Pinheiro e da Escola Base.
Ao fim do processo, depois de uma conversa com a presidente da Republica, saí do governo.
Percebi interesses contrariados operando nas sombras. Triste, percebi gente de comunicação ser instrumentalizada e dar pouca relevância a fatos e informações. Não se pretendia esclarecer nada, apenas disputar, como numa gincana, quem chega ao objetivo primeiro. A quem seria atribuída a queda de um ministro. Como na canção “Faroeste Caboclo”, a “via-crucis virou circo e eu estava ali”.
Talvez eu tenha incomodado interesses políticos e econômicos. Fui pedra no sapato de alguns. Fui vítima da luta política.
A realidade é que saí do governo de cabeça erguida. Pela porta da frente, apesar do massacre vivido. Em minha última manifestação, no Palácio do Planalto, disse, olhando nos olhos da presidente da República: sou inocente!
Num tempo de inversão de valores, tenho eu que provar minha inocência. E assim o farei.
Serei sempre grato ao carinho e a confiança que recebi de milhares de pessoas, algumas bem próximas, outras que sequer conhecia. É incrível a quantidade de pessoas que se aproximam de mim e diz: acredito em você! A todos, reafirmo: não traí e nunca trairei a confiança de cada um de vocês.
Serei sempre grato ao carinho e dedicação de minha equipe no Ministério do Esporte e de meus companheiros de governo.
Sigo lutando pelos meus ideais. Acredito no Brasil. Volto para São Paulo, para a mesma casa que meus amigos conhecem. Volto para a militância política por um país cada dia mais justo e democrático. Isso é o que me dá felicidade. E é muito bom estar mais perto dos amigos e dos companheiros. E de lá retomo minha trajetória política. A verdade vencerá!
Orlando Silva
Brasília, novembro de 2011