No Chile, ainda existem saudosistas de Pinochet
O governo de direita de Sebastián Piñera vive um novo tropeço no campo dos Direitos Humanos e do respeito à memória coletiva que a sociedade exige de suas autoridades. Desta vez não foi a excessiva repressão policial aos estudantes que pedem uma educação pública de qualidade, mas uma crise causada pelo personagem chamado Cristián Labbé, ex-coronel do Exército e atual prefeito de Providencia, uma das comunidades mais ricas de Santiago e do país.
Publicado 18/11/2011 16:41
Labbé foi guarda-costas do ditador Augusto Pinochet e atualmente é membro da Unión Demócrata Independiente (UDI), o partido político mais forte do governo de Piñera. Ocupa a principal cadeira de Providencia há 15 anos, de onde protagonizou várias polêmicas, como não retirar o lixo das representações diplomáticas da Espanha e da Inglaterra quando Pinochet estava detido em Londres (1998-2000).
Neste ano, Labbé bateu de frente contra o movimento estudantil, ao ordenar desalojar com a força policial os alunos dos liceus administrados pela Municipalidade. O último “show” deste ex-oficial, apelidado “labbestia” (“a besta”) no Twitter e no Facebook, foi patrocinar uma cerimônia em homenagem a Miguel Krassnoff, um ex-Brigadeiro do Exército, condenado a 144 anos de prisão no Chile pela violação de Direitos Humanos na ditadura, por ocasião do lançamento da quarta edição do livro “Miguel Krassnoff, prisionero por servir a Chile”, que se realizará na próxima segunda-feira no antigo Club Providencia.
Krassnoff é um dos principais açougueiros saído das filas do Exército pinochetista nos anos 70, encarregado de assassinar centenas de civis acusados de serem marxistas. Como neste país ainda existe uma minoria que idolatra as façanhas cometidas pelos ex-uniformizados, Labbé patrocinou uma homenagem a Krassnoff no Centro Providencia, o que acirrou os ânimos da Agrupação de Familiares de Detenidos Desaparecidos (AFDD), partidos políticos do governo e oposição e de grande parte da sociedade civil, que se manifestou através das redes sociais.
Mas o descalabro maior foi que Labbé convidou oficialmente o presidente Piñera para comparecer à cerimônia. E a resposta dada pela assessoria do chefe de Estado colocou a cereja no bolo: ”Não será possível que o senhor Presidente possa acompanhá-los devido a que nesta mesma data sua agenda de trabalho já se encontra comprometida, mas solicitou expressamente manifestar suas felicitações e seus melhores desejos de êxito, como também sua saudação afetuosa a quem compareça nesta homenagem”, foi dito do palácio La Moneda.
Este azeite fervendo salpicou em Piñera, que horas mais tarde emitiu uma declaração oficial sinalizando brevemente que “por um lamentável erro a Direção de Gestão Cidadã da Presidência deu uma resposta equivocada a um convite enviado pelo senhor Patricio Malatesta para uma atividade na comuna de Providencia”.
A inusitada resposta custou o cargo da assessora presidencial Andrea Ojeda, mas alguns meios de comunicação afirmaram que este erro se deu porque a assessora tem vínculos com o mundo militar, a exemplo de vários representantes do governo de Piñera, pois a cultura da direita chilena está vinculada sanguínea, cultural e historicamente às Forças Armadas.
Na quarta-feira pela manhã, a conta do Twitter do presidente chileno comunicava: “Condeno e sempre condenei as violações aos direitos humanos em todo tempo, lugar e circunstância”, para minutos depois publicar outro comentário. “Em conseqüência, não compartilho e
rechaço qualquer manifestação de apoio a condenados pelos graves atropelos aos DD.HH. ocorridos no Chile”.
Mas botar um curativo na ferida pouco ajuda à depreciada imagem deste governo que se mantém como o mais rejeitado nos últimos 20 anos, devido à capacidade da direita chilena de blindar-se diante das críticas, como demonstra Piñera com as demandas dos estudantes, em que pouco se fez para solucionar os problemas estruturais deixados pela política econômica neoliberal praticada impiedosamente no período em que Pinochet mandava a ponta de botas e baionetas.
Os organismos de Direitos Humanos estão se organizando para protestar contra o evento em honra à Krassnoff, na próxima segunda-feira nesta comuna de Santiago. Ainda que o prefeito Labbé diga que não comparecerá, até o momento não se disse nada sobre a realização da cerimônia à qual irão ex-oficiais e saudosistas da ditadura militar onde, ainda que neguem e olhem para o lado, se encontram funcionários do atual governo.
Fonte: Carta Maior