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Amy Goodman: Occupy Wall Street e o novo mundo

Após uma hora da madrugada do dia 15 recebemos a notícia de que a polícia de Nova York estava fazendo uma batida no acampamento de Occupy Wall Street. Fomos com a equipe de notícias de Democracy Now! Até Zuccotti Park, agora batizado Plaza de la Libertad. Centenas de policiais antimotins já haviam rodeado a área. Enquanto a polícia destroçava as tendas, trabalhadores de limpeza lançavam os pertences dos manifestantes nos caminhões de lixo.

Por Amy Goodman, no Democracy Now!

Além das barricadas, no centro do parque, entre 200 e 300 pessoas abraçavam-se, formando uma cadeia humana e se negavam a ceder o especo que haviam ocupado durante quase dois meses. Foram algemados e presos um a um.

Os poucos membros da imprensa que conseguimos atravessar as barreiras policiais fomos enviados para a área destinada aos jornalistas, no outro lado da rua frente ao Zuccotti Park. Quando nossas câmaras começaram a gravar, estacionaram dois ônibus em frente, impedindo-nos de ver o que acontecia do outro lado. Meus companheiros e eu conseguimos passar entre os ônibus e ingressas ao parque após atravessar uma montanha de barracas desarmadas, toldos e sacos de dormir. A polícia quase consegue impedir que os meios vejam a destruição.

Entre uma pilha de coisas amontoadas, vimos uma biblioteca destroçada. Dentro do parque, encontrei um livro no chão. Tinha inscrita a sigla "OWSL”, de Occupy Wall Street Library, também conhecida como a Biblioteca do Povo, uma das principais instituições que havia surgido da dinâmica democrática do movimento. Segundo os últimos dados que se tinha registro, a biblioteca contava com um total de 5.000 livros recebidos através de doações. O que encontrei entre os escombros da democracia que estava sendo jogada no lixo foi "Nueva visita a um mundo feliz”, de Aldous Huxley.

À medida que a noite avançava, aumentava a ironia de ter achado o livro de Huxley, que foi escrito em 1958, quase 30 anos depois de sua famosa novela distópica "Um mundo feliz”. A obra original descrevia uma sociedade do futuro, onde as pessoas estavam estratificadas entre os que tinham posses e os que nada tinham, os despossuídos. Os habitantes do "mundo feliz” recebiam prazer, distração, publicidade e drogas tóxicas para torná-los complacentes: um mundo de perfeito consumismo, onde as classes baixas faziam todo o trabalho para a elite.

"Nova visita a um mundo feliz” foi o ensaio de Huxley em resposta à velocidade com que se observou que a sociedade moderna se dirigia rumo a esse futuro desolador. Ter topado com esse livro não podia ser mais pertinente: o acampamento, que tinha sido motivado em grande medida pela oposição à supremacia do comércio e da globalização, estava sendo destruído.

Huxley escreveu em seu livro: "A Grande Empresa, possível devido ao avanço da tecnologia e da conseguinte ruína da Pequena Empresa, costuma ser governada pelo Estado, isto é, por um reduzido grupo de chefes de partidos e os soldados, polícias e funcionários públicos que cumprem suas ordens. Uma democracia capitalista, como a dos Estados Unidos, costuma ser governada pelo que o professor C. Wright Mills chamou de ‘Elite do Poder'”. E continua: "Essa elite do Poder procura diretamente ocupação em suas fábricas, escritórios e comércios a vários milhões dos trabalhadores do país; domina a muitos milhões mais, apresentando-lhes dinheiro para a compra do que ela produz; e, como dona dos meios de comunicação em massa, influi no pensar, no sentir e no agir de, virtualmente, todo o mundo”.

Um dos trabalhadores voluntários da Biblioteca do Povo, Stephen Boyer, estava lá quando tomaram o parque. Após evitar ser preso e auxiliar vários de seus companheiros, escreveu: "Destruíram tudo o que trouxemos ao parque. Nossa linda biblioteca foi destruída. Nossa coleção de 5.000 livros desapareceu. Nossa tenda, que foi uma doação, também foi destruída da mesma forma que o esforço que fizemos para levantá-la”.

Pouco depois, o escritório do prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, publicou uma foto de uma mesa com alguns livros e afirmou que os livros foram bem conservados. Enquanto isso, a Biblioteca do Povo publicava a seguinte mensagem no Twitter: "Estamos contentes de ver que alguns livros estão em bom estado. Mas, onde estão os demais livros e nossa tenda e nossas caixas?”. A tenda havia sido doada à biblioteca pela ganhadora do Prêmio Nacional do Livro e lenda do rock, Patti Smith.

Muitos outros lugares de protesto do movimento Occupy Wall Street, em outras cidades, foram tomados recentemente. A prefeita de Oakland, Jean Quan, confessou a BBC que havia participado em uma conferência telefônica com outros prefeitos de 18 cidades para falar sobre a situação. Outro informe de imprensa observou que o FBI e o Departamento de Segurnaç Nacional haviam assessorado às autoridades municipais.

Um juiz do Estado de Nova York deu parecer favorável ao desalojo e determinou que os manifestantes não podem regressar ao Parque Zuccotti, nem com seus sacos de dormir, nem com suas barracas. Após o falho, um advogado constitucionalista me enviou uma mensagem de texto que dizia: "Somente recorda: o movimento está nas ruas. Os tribunais sempre são o último recurso”. Ou como canta Patti Smith: "O povo tem o poder”.

Fonte: Adital