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Divisão na zona euro sobre eurobônus agrava crise da dívida

A Comissão Europeia propôs hoje (23) novas medidas para contornar a crise que castiga o velho continente e ameaça implodir a chamada zona euro. O destaque é a criação e emissão de títulos comuns que já estão sendo chamados de eurobônus. A ideia pode ser boa, mas parece pouco realista na medida em que conta com forte oposição do país mais poderoso do bloco: a Alemanha.

Por Umberto Martins

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A chanceler alemã, Angela Merkel, reiterou sua posição nesta quarta, em alto e bom tom. “Acho muito inquietante e inadequado que a Comissão proponha hoje eurobônus em diversas formas, como se através da mutualização das dívidas pudéssemos evitar o problema das falhas das estruturas da União Econômica e Monetária”, afirmou em Berlim, durante o debate parlamentar sobre o Orçamento do Estado para 2012.

Centralização autoritária

As novas medidas em debate na Comissão Europeia também ampliam a centralização política e econômica, determinando, entre outras coisas, que os governos deverão submeter seus projetos de Orçamento para o ano seguinte até o dia 15 de outubro. Caso não respeitem as metas estipuladas para limitar o déficit público dos países a 3% do Produto Interno Bruto (PIB), a comissão poderá intervir e solicitar mudanças.

Caso a decisão seja adotada, os governos se comprometerão a informar quais medidas serão tomadas para corrigir as respectivas situações fiscais. Caberá à Comissão Europeia sugerir uma assistência financeira ou um programa de ajustes. Atualmente, essa é uma iniciativa de cada país.

Deputados mais progressistas do Parlamento Europeu criticaram as propostas, que consideram autoritárias. As sugestões da cúpula da UE devem ser acatadas pelos 17 países que compõem o bloco e também pelo Parlamento Europeu antes de se tornarem realidade.

Credor e devedores

Não deixa de ser uma novidade o fato de a Comissão Europeia apresentar a ideia de criar um mecanismo de empréstimos públicos para os países da zona do euro lastreados por títulos comuns da dívida europeia, confrontando a Alemanha. O episódio revela as contradições internas do bloco que basicamente opõem devedores à grande e maior credora do bloco.

Teoricamente, o eurobônus poderia atrair poupança externa dos países superavitários, incluindo a China, e aliviar a crise da dívida na Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália. Mas a oposição dos líderes da economia mais poderosa da região inviabiliza a proposta.

Merkel não concorda com isto. Segundo ela, o eurobônus não vai funcionar e a confiança dos mercados só poderá ser restaurada com alterações dos tratados. “Temos é que exigir que os tratados sejam vinculativos para evitar que sejam violados sistematicamente, e por isso é que propusemos que sejam alterados”.

Assimetrias

A chanceler acrescenta ainda, em declarações citadas pelas agências internacionais, que esta não é uma proposta apropriada, porque dá a impressão que o fardo da dívida pode ser partilhado. A frase reflete o receio egoísta da Alemanha, que defende uma maior centralização na União Europeia para enquadrar as economias mais frágeis à camisa de força dos ajustes impostos pela troika, mas não quer perder a sua posição privilegiada de credora e partilhar “o fardo da dívida”.

O primeiro passo, na opinião de Merkel, é uma união fiscal, seguida pela harmonização das políticas dos países do euro, nomeadamente a harmonização (para cima) da idade da aposentadoria. Ou seja, a dama de ferro alemã quer uma integração desigual, sob sua liderança, e defende mais do mesmo, com doses extras das receitas amargas que já estão sendo implantadas sob a batuta do FMI, BCE e UE. É a reprodução ampliada das assimetrias no seio do bloco.

Luta de classes e questão nacional

O resultado prático, antecipado por muitos críticos, está à vista de todos e em livre curso na história. O rigoroso ajuste fiscal, que por lá se traduz no impiedoso desmantelamento do Estado de Bem Estar Social, é o caminho da recaída geral na recessão (que hoje já é realidade em mais de um país europeu) e do recrudescimento da luta de classes, interligada ao reaparecimento da questão nacional.

Os pacotes impostos pela troika, embalados na ideologia neoliberal e apresentados como “caminho único”, constituem, em primeiro plano, uma ofensiva do capital contra o trabalho provavelmente sem paralelo na história do capitalismo. Ao mesmo tempo, ofuscam e atropelam as soberanias das nações, subordinando o destino dos povos aos desígnios de uma União Europeia imperialista e prisioneira dos interesses de uma oligarquia financeira reacionária e decadente, cuja responsabilidade pela crise só não é mais notória em função da conspiração do silêncio e cumplicidade da mídia hegemônica com os pecados do sistema. Não se pode falar de soberania sem resgatar as autonomias nacionais sobre a política monetária e cambial, o que não se faz nos marcos da moeda comum e do Banco Central Europeu.

A esperança em uma saída progressista para a crise através de planos econômicos bolados e impostos por representantes do capital financeiro é ilusória. A melhor solução deve ser desenhada nas ruas (se é que já não está sendo) e será um resultado da luta de classes. As contradições no interior da União Europeia tendem a desembocar na implosão da zona euro e do próprio bloco.

Os fatos lembram uma premonição de Lênin em artigo publicado em 1915 (“Sobre a palavra de ordem dos Estados Unidos da Europa”). “Do ponto de vista das condições econômicas do imperialismo, isto é, da exportação de capitais e da partilha do mundo pelas potências [neo]coloniais ´avançadas´ e ´civilizadas´, os Estados Unidos da Europa, sob o capitalismo, ou são impossíveis, ou são reacionários”. Não é o que se vê na atual União Europeia, imperialista, monopolista e neoliberal?