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“Extradição” de Noriega esconde plano dos EUA de invadir o Panamá

A extradição do general Manuel Antonio Noriega ao Panamá por decisão do governo e da Justiça da França, para onde foi enviado ilegalmente pelos Estados Unidos, em abril de 2010, cumprindo obscuros acordos entre Washington e Paris, volta a colocar em cena o revés da trama.

Por Stella Caloni

Invasão do Panamá

Aos 77 anos e doente, Noriega chegou detido ao seu país apenas 10 dias antes da trágica data da invasão dos Estados Unidos ao Panamá, que começou na última hora do dia 19 e na madrugada do dia 20 de dezembro de 1989 e, que deixou entre cinco e sete mil mortos e desaparecidos.

O Panamá tinha, na ocasião, dois milhões de habitantes, vítimas da uma invasão que partiu do próprio território quando o Comando Sul estadunidense ainda estava na Zona do Canal com a série de bases militares, pensadas para o controle da América Latina. Essas tropas, aviões e helicópteros apenas deveriam cruzar uma avenida e o fizeram bombardeando uma cidade de cerca de 600 mil habitantes.

Foram destruídos bairros inteiros com perdas humanas e materiais milionárias. Também foram desarticuladas as incipientes Forças de Defesa que estavam sendo preparadas para cuidar do Canal quando as tropas dos EUA, que buscavam desculpas para ficar, fossem embora.

A história esquecida

Nada de tudo isso será dito, nem será contada a história real do país esquecido, cujo povo teve jornadas heroicas de luta anticolonial e a que a América Latina, salvo honrosas exceções, sob a influência de uma temível desinformação, deixou sozinha no momento da invasão.

Não é coincidência a transferência de Noriega neste momento em que o governo de Ricardo Martinelli tenta criar uma nova cortina de fumaça para encobrir os novos passos da entrega da soberania a favor de Washington.

A nova Escola das Américas

Noriega chega no momentos em que José Raúl Mulino, ministro de Segurança do governo do empresário direitista Martinelli, acaba de anunciar que os Estados Unidos, e o Panamá vão instalar uma academia militar de estudo e treinamento “em patrulhas da fronteira”, como informou a Prensa Latina no último dia 6.

Mulino disse aos jornalistas que a academia iria oferecer formação a unidades de polícia da América Central e permitiria ao Panamá jogar “um papel de liderança em matéria de segurança”.

Nas declarações que circularam nos últimos tempos, o ministro esclareceu que nessa entidade serão formadas unidades especializadas “em combater o tráfico de drogas, os imigrantes ilegais e para fazer a vigilância de fronteiras em áreas de difícil acesso."

Ele detalhou que a segurança do Aeroporto Internacional de Tocumen será refeita para evitar a entrada e saída de dinheiro ilegal. Serão instalados mais assessores dos Estados Unidos no ex-aeroporto Omar Torrijos, batizado Tocumen depois da invasão?

A esta altura, poucos podem duvidar que a Academia se trata de uma nova “Escola das Américas” e uma reocupação do Panamá, país onde o governo de Martinelli, após três meses de sua posse em 2009, firmou um compromisso com a secretária de Estado estadunidense Hillary Clinton para instalar bases militares dos Estados Unidos em ambas as costas oceânicas do Panamá e na estratégica fronteira com a Colômbia, um velho desenho dos Planos Colômbia e Puebla Panamá.

Mas, a “extradição” de Noriega também se produz no momento de uma forte rebelião popular de trabalhadores, intelectuais, estudantes e outros contra um governo, que já deixou várias vítimas da repressão e quando quase 60% dos panamenhos não aprovam sua gestão.

Familiares próximos ao presidente foram presos no México por causa do narcotráfico e abundam as denúncias por corrupção e abuso contra sua administração.

Desinformação

Uma nova onda de desinformação sobre a história real do que realmente aconteceu no Panamá se estende por todo o mundo, entretido em uma história falsificada sobre Noriega, que na realidade desde setembro de 2008 deveria estar livre por ter cumprido o tempo de condenação nos Estados Unidos, como estabelecem os regulamentos internacionais.

Tudo foi ilegal, desde sua transferência do Panamá até os Estados Unidos em dezembro de 1989 — violando o acordo e as convenções em matéria de prisioneiros de guerra em caso de uma invasão como a do Panamá, — até seu escandaloso julgamento em Miami, com depoimentos de acusação feitos por uma série de narcotraficantes menores aos quais foram descontados anos de prisão e foram dados outros benefícios para que acusassem o general panamenho, ainda que sem conhecê-lo, nem nunca tê-lo visto, como está comprovado.

Nas últimas horas a chegada ao Panamá repleta de ilegalidade já que não se pode vê-lo, como era obrigatório nessas circunstâncias e quando era transportado em cadeira de rodas.

Para humilhá-lo ainda mais lhe impuseram a prisão comum, em um país onde se instalarão novas bases militares dos mesmos que invadiram e mataram milhares de panamenhos, sem receber nunca condenação alguma.

Um dos testemunhos para condenar Noriega foi do poderoso narcotraficante colombiano Carlos Ledher, preso nos Estados Unidos, a quem a justiça entregou documentos falsos como depoimento protegido e ao qual liberou cerca de oito milhões de dólares de uma conta que haviam confiscado. Com outro nome e milhões de dólares, Ledher e sua família foram viver na França. Ao general panamenho não foi permitido falar em sua defesa alegando “razões de segurança para os Estados Unidos”.

Ninguém menciona isso agora. Apenas o ex-procurador dos Estados Unidos Ramsey Clark falou com verdade e clareza contra a brutal invasão do Panamá, denunciou as mortes e a destruição e as mentiras do governo de seu país neste caso.

Quem escreve a história hoje?

Para advertir até que ponto a banalização informativa funciona nesses dias é necessário esclarecer em primeiro lugar que Noriega a quem chamaram de “ditador brutal e ex-presidente do Panamá” nunca foi presidente deste país.

Não se diz, tampouco, que quando foi feita a invasão dos Estados Unidos ao Panamá, da qual fui testemunha como correspondente de jornais mexicanos, “o ditador” era tão terrível que não havia sequer um opositor preso.

Umas horas antes de iniciar essa invasão, soldados dos Estados Unidos entraram tranquilamente na cidade do Panamá levaram Guillermo Endara, Ricardo Arias Calderón e Guillermo Ford para a sede do Comando Sul na Zona do Canal, que ocupavam militarmente. Eles foram nomeados ali presidente e y vice-presidentes do Panamá.

Os principais opositores estavam tranquilamente em suas casas, apesar de terem realizado uma série de ações desestabilizadoras e golpistas contra o governo panamenho, e apoiada a intervenção a seu próprio país. Criaram uma aliança opositora supostamente “democrática” recebendo milhões de dólares de Washington, onde estava a principal sede dessa oposição.

Assim, enquanto começava a invasão os chefes militares estadunidenses nomearam, nada menos que no Comando Suo, o governo que iam impor a esse país invadido.

A invasão já era um crime, mas os atos cometidos contra a população foram de lesa humanidade. Esses crimes não serão julgados e menos ainda sob o atual governo que fez retroceder a história panamenha aos tempos da primeira ocupação estadunidense.

Fonte: CubaDebate
Tradução: Da redação do Vermelho,
Vanessa Silva