Marcantônio Dela Corte : O PCdoB na nossa história 

Na defesa do Partido Comunista do Brasil, o professor goiano Marcantônio Dela Corte escreveu um artigo em que retrata a importância do PCdoB na nossa história. Como registro histório, publicamos no Portal Vermelho – página de Goiás.

                                         O PCdoB na nossa história

 
O Ministro do Planejamento, Roberto Campos, adotou, logo no começo do governo Castelo Branco, uma política de arrocho salarial (diminuição dos salários) visando combater a inflação. Com isso, no ano de 1966, os trabalhadores e a classe média brasileira já sentiam o peso dessas medidas que concentravam, ainda mais, a riqueza nas mãos de uma minoria. Os anseios de uma mudança radical no País estavam restritos àquelas organizações clandestinas que acreditavam numa saída para os sérios problemas que tínhamos pela frente. Nessa vertente havia uma organização, fundada em 1922, que via o mundo com os olhos dos oprimidos, dos trabalhadores, e assim se posicionava. Estou falando do Partido Comunista do Brasil. 
Nessa época, o Comitê Central do Partido elabora um documento intitulado “Ameaça Neocolonialista.” Nele havia uma análise cuidadosa da influência estrangeira no Brasil, notadamente a norte-americana. A linha de raciocínio era de que o colonialismo tradicional, aquele que ocupava um território, dominava toda uma nação e extraia dali tudo que fosse possível para enviar para a metrópole, havia mudado o seu modo de agir. Após a segunda guerra mundial, este modelo começa a se desmoronar com os movimentos de libertação que aconteciam na maioria das nações dominadas. Os exemplos mais clássicos estão na libertação do Vietnã do domínio francês, quando na famosa batalha de Dien Bien Phu, em 1954, os franceses são derrotados e expulsos daquela região e, a Índia, que se liberta da Inglaterra, através da luta pela independência liderada por Mahatma Gandhi, em 1947. Também, em 1949, a revolução chinesa, liderada por Mao Tse Tung, coloca um fim nas pretensões inglesas na China. Assim, no final dos anos de 1940 e nas décadas de 1950/60, os países da África e Ásia se levantam contra seus exploradores e, formalmente, parte deles se liberta da dominação estrangeira. 
Contudo, segundo o documento citado, o novo colonialismo subtende o domínio cultural, político e econômico não somente através das armas, mas pela influência, pelo controle estratégico dos meios de produção, onde as grandes empresas estrangeiras acabam por consolidar a sua hegemonia e, em decorrência disso, as instituições nacionais ficam comprometidas. Esse documento foi discutido em início de 1966, numa reunião clandestina na cidade de Anápolis (eu estava presente) e que teve a participação de Pedro Pomar, membro do Comitê Central do Partido.  
O documento abordava também que órgãos oficiais dos Estados Unidos haviam feito, de acordo com as tecnologias da época, levantamentos aerofotogramétricos de todo o território nacional, visando ter informações mais precisas das riquezas do País.
Na década de 60, o PC do B demonstra como essas nações imperialistas mudaram seus métodos de dominação.  Havia uma lógica neste raciocínio e que estava na mente de todos aqueles que foram para o norte de Goiás, em Xambioá, hoje Estado do Tocantins, e tentaram através de uma luta de guerrilha tirar o País da situação a que estava submetido, e o que motivou aqueles jovens pertencentes ao PC do B não foi somente a luta contra a ditadura, pois, acima de tudo, queriam construir um país socialista e livre da dominação estrangeira.
O historiador e escritor Caio Prado Junior, em sua História Econômica do Brasil, ao fazer referência à nossa industrialização, na década de 1950, acaba por demonstrar, involuntariamente, que o modelo adotado por Juscelino Kubistchek que trouxera, para o Brasil, as montadoras de automóveis, estava dentro daquilo que os países ricos queriam. 
Ainda, Caio Prado Junior considera que, independente das montadoras estrangeiras terem vindo para o Brasil, não se poderia ter deixado de lado a construção de uma indústria automobilística brasileira. Segundo ele, na década de 1950, havia mais de mil indústrias de autopeças que produziam visando abastecer o mercado interno que importava carros e caminhões e que necessitava de peças de reposições. Neste sentido, argumenta que o Brasil já estava em condições de desenvolver sua própria indústria automobilística. O modelo adotado por Juscelino foi o mais prático, o menos trabalhoso, o mais rápido. Mas as concessões feitas e os empréstimos do BNDE (Banco Nacional de desenvolvimento econômico, criado em 1952, por Getúlio Vargas), hoje BNDES, configuram que as montadoras, que para aqui vieram, fizeram o “negócio da China,” enterrando, de vez, um projeto nacional para o setor.   
No século XX o Brasil passou por uma desnacionalização de seu parque industrial. Kurt Rudolf Mirow, em seus livros “A Ditadura dos Cartéis” e “Condenados ao Subdesenvolvimento,” dá informações preciosas da dominação da economia nacional pelos cartéis internacionais, que sempre contaram com uma classe dirigente local submissa aos seus interesses. Hoje, essas questões são vistas até como normais e o crescimento do País segue esta lógica do capitalismo, onde a própria Petrobras se transformou numa grande empresa de sociedade anônima (S/A) e já se expandiu além do território brasileiro.
O PCdoB sempre teve uma posição clara sobre tudo isso. É um Partido que nasceu dentro da realidade brasileira e que sempre teve como objetivo fundamental defender os trabalhadores, o nosso País, a nossa independência econômica, não somente como uma estratégia de poder, mas, principalmente, como forma de propiciar a todas as pessoas o exemplo de que a política, feita através desses princípios, continuará presente na vida de todos os brasileiros, como fator que agrega valores no comportamento das novas gerações. 
Em cada conquista trabalhista e social que os brasileiros hoje são beneficiários, como, por exemplo, a Leis Trabalhistas e o 13º salário, foram reivindicações dos comunistas.  Getúlio, quando criou a CLT, o fez atendendo aquilo que o Partido Comunista vinha lutando. Essas bandeiras eram lutas históricas e o velho caudilho, Getúlio Vargas, acabou por assumi-las.  A própria criação da Petrobras teve, desde o seu início, o PC do B como o seu principal defensor. E não foi fácil, pois havia uma elite dirigente raivosa que seguia o pensamento colocado pelas empresas de petróleo americanas de que, no Brasil, não existia petróleo. E mais, a repressão policial era violenta.
 
Mesmo que a questão do neocolonialismo, como foi abordada no documento, mereça ressalvas, na sua essência, ele não está fora da realidade. Este Partido tem história, pois em cada conquista que a maioria absoluta dos brasileiros tem incorporado como um direito adquirido há a marca do PC do B e, mais que nunca, ele é um Partido democrático, plural e que se encontra preparado para os desafios que encontrar. O fortalecimento da democracia no Brasil é tarefa de todos os brasileiros e isso subtende, também, reconhecer a importância do PCdoB em nossa história.   
 
Marcantônio Dela Corte é professor, vice-presidente da ANIGO (Associação dos Anistiados Políticos de Goiás ) – contato: [email protected]