Artigo: 47 anos do assalto ao Tiro de Guerra de Anápolis

O professor goiano Marcantônio Dela Corte escreveu um artigo em que relata o assalto ao Tira de Guerra de Anápolis organizado por integrantes do PCdoB em 1964. Como registro histório, publicamos no Portal Vermelho – página de Goiás.


O PCdoB E O ASSALTO AO TIRO DE GUERRA DE ANÁPOLIS

No dia 13 de novembro deste ano completou 47 anos do assalto ao Tiro de Guerra de Anápolis. É um fato pouco conhecido e até mal interpretado. E suas razões e objetivos merecem uma breve reflexão.

A crise política e também militar vivida no segundo semestre de 1964, pelo governo Mauro Borges e o povo goiano, foi algo inédito pelas suas implicações no quadro político de nosso Estado.

Quando da intervenção federal, em Goiás, em 26 de novembro, ficou claro que aqueles que chegaram ao poder em nível nacional, não estavam brincando: mesmo um governador, legitimamente eleito e que havia, em março de 1964, apoiado o golpe, colocando toda a estrutura do Estado a seu serviço, é descartado, tirado do poder, sendo substituído por um interventor militar para colocarem, no comando do Estado, um grupo afinado política e ideologicamente com os golpistas.

O PCdoB, no contexto da crise para tirar Mauro Borges do governo e intervir em Goiás, se posicionou para uma eventual resistência armada. Mauro Borges assinalava nesse sentido e, assim, a direção estadual do Partido manteve contatos com o governo Mauro através do seu pai, o senador Pedro Ludovico Teixeira.

Segundo relatos de Neso Natal, comandante da ação do Tiro de Guerra de Anápolis, a direção do Partido teve várias conversas com o senador que era enfático ao afirmar que haveria resistência. Segundo conversas entre Pedro Ludovico e o pessoal do Partido havia, também, a expectativa de envio de armas de São Paulo, prometida pelo governador Ademar de Barros. Todavia, mesmo este assunto sendo conhecido é importante porque, o PCdoB, toma uma posição de apoio ao governo estadual e irá se movimentar visando participar de um possível confronto armado.

Dada as circunstâncias de extrema insegurança institucional vivida no País e em nosso Estado, a ideia de tomar o Tiro de Guerra de Anápolis e levar as armas que ali se encontravam era perfeitamente aceita. E o caminho tomado para executar uma ação desta magnitude se prende, também, ao estado psicológico vivido pela população e, principalmente, por setores organizados da sociedade, onde o PCdoB se colocava.

A posição tomada pelo Partido estava no âmbito de suas ações como uma organização revolucionária e que jamais ficaria omissa ante ao que estava acontecendo. Mas é bom que entendam que, em Goiás, a sua reorganização era recente, vinha dos anos de1962/63 e, em 1964, ainda era uma organização pequena, mas atuante. Tarzan de Castro e o Diniz Cabral foram duas lideranças importantes nesta reorganização, mas, a partir do golpe, o primeiro foi preso e, o segundo, mudou para outro estado.

Com isso, em 64, após o golpe, Ângelo Arroyo, passa a comandar o Partido em Goiás.
As razões e os objetivos para assaltar o Tiro de Guerra de Anápolis eram claros: a iminente intervenção federal em Goiás, com o uso da força, somado com as movimentações do governo estadual em resistir, levou o PCdoB a agir como agiu. Não há qualquer fundamento em se dizer o contrário.

As observações e os levantamentos detalhados do local feitos por Neso Natal demonstraram, com muita objetividade, que o Tiro de Guerra de Anápolis era desprotegido e o risco de um confronto era pequeno. Isso convenceu a direção do Partido levando, Ângelo Arroyo a aprovar a ação.

Neso Natal, Daniel Ângelo, Jaime José Mendes, Belmiro Vieira de Rezende e José Mendes Vieira constituem o grupo que fez esta ação, na cidade de Anápolis, na virada do dia 13 para o dia 14 de novembro de 1964.

Assim o Partido realizou a ação que fez o governo federal se movimentar e ocupar a cidade de Anápolis, no outro dia. A certeza da queda de Mauro e a intervenção em Goiás eram vista como fato consumado e esta ação vinha de encontro com os anseios de boa parte dos goianos que desejavam resistir. O PCdoB foi coerente neste episódio, pois se preparava para uma eventual resistência do governo do Estado e do povo goiano.

Não houve problemas na ação. As armas foram guardadas na casa do Belmiro, mas dois dias depois foram todos presos. Tudo transcorreu como foi planejado, mas houve falha na segurança e a polícia tomou conhecimento, prendendo todos.

Aquela ação tinha por objetivo se apossar de armas para resistir à intervenção que estava se concretizando há vários meses. O único erro foi a falta de experiência e de profissionalismo. A coragem de todos, principalmente do Neso e do Daniel Ângelo, possibilitou que o Partido, naquele momento, não fosse prejudicado.

O fato foi manchete de primeira página nos principais jornais do país. E, lamentavelmente, o da prisão também. A maneira como o governo de Goiás se comportou foi de ganhar tempo. As promessas de armas feitas pelo governador Ademar de Barros eram balelas. O mesmo, pouco tempo depois, também foi tirado do poder pelos militares. Era uma verdadeira briga pelo poder, onde os três principais líderes civis do golpe foram ficando na berlinda, até sumirem de vez da vida pública brasileira. O governador de Minas Gerais e também banqueiro, Magalhães Pinto, foi o que sobreviveu, mas nunca realizou o seu sonho de ser presidente da República. Já Carlos Lacerda teve um fim melancólico.

Quanto aos nossos companheiros, todos foram presos pela polícia goiana e entregues, imediatamente, para o Exército. Com isso o governo Mauro achava que estava agradando, porém, poucos dias depois, no dia 26 de novembro, o xeque-mate foi dado e a população ficou nas ruas protestando e esperando uma reação. Mauro entregou o governo numa tarde, com a Praça Cívica tomada por pessoas corajosas que não temiam o que poderia acontecer. A noite daquele dia foi a noite do choro, dos lamentos, das frustrações e dos bares cheios de gente desiludidas com tudo que havia acontecido.

As conversas que o PCdoB teve com pessoas do governo Mauro Borges eram de que haveria resistência. Mas tudo não passava de um jogo e era, também, uma forma de se manter com o moral alto, porque, para enfrentar um desafio desses, há de se considerar que é necessário que existam pessoas com ideias e coragem suficiente para aceitar as privações de um embate desta magnitude.

O PCdoB era uma organização formada por pessoas despojadas de tudo na vida e com sonhos de construir uma nova sociedade. Eram militantes com o desprendimento necessário para enfrentar qualquer situação. O governador Mauro Borges, quando foi obrigado a entregar o governo aos militares, indicava que houve um acordo, pois, de imediato, foi para casa. Não houve nenhuma prisão, a não ser a de um popular que agrediu um oficial do Exército que se dirigia até ao Palácio das Esmeraldas para entregar, talvez, o ultimato ao governador. A cassação dos direitos políticos de Mauro veio tempos depois.

As minhas homenagens a todos e, em especial, ao Neso Natal, o único vivo do grupo e ao ex-vereador Daniel Ângelo, que sempre foram fiéis aos princípios que nortearam suas vidas.
Naqueles momentos, Ângelo Arroyo teve a lucidez e a coragem em fazer a coisa certa ao aprovar o plano a ser executado por membros do PCdoB e, assim, o assalto ao Tiro de Guerra 53, hoje TG-001, de Anápolis, foi uma ação planejada, organizada e executada por este Partido que, há 90 anos, vem ajudando a construir um Brasil moderno e democrático.


*O Professor Marcantônio Dela Corte foi filiado e dirigente do PCdoB de Goiás, atualmente é vice-presidente da Associação dos Anistiados Políticos de Goiás ([email protected]
)