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Recife, berço da astronomia nas Américas

O Observatório no telhado, de Oscar T. Matsuura, recém publicado em Recife, comemora o nascimento do astrônomo Georg Marcgrave, que veio para Recife no século 17 com Maurício de Nassau e montou, na capital pernambucana, o primeiro observatório astronômico das Américas

Por José Antonio Bertotti (*)

Casa de Maurício Nassau, em Recife - arquivo

Nada melhor do que beber nas fontes primárias para compreendermos como se deram os primeiros passos desse tortuoso caminho que percorremos para consolidar nosso Parque Científico e Tecnológico. O livro do professor Oscar Matsuura Observatório no Telhado, recém lançado no Recife, bebeu nessas fontes. Ele conta a história do cientista alemão Georg Marcgrave que teve sua formação, no século 17, construída na peregrinação por mais de dez das melhores universidades européias da época e ainda como aluno na Universidade de Leiden, em cujo Observatório trabalhou.

Em Leiden Georg Marcgrave foi contratado pela Companhia das Índias Ocidentais para exercer no Brasil as funções de cartógrafo, naturalista e astrônomo, trabalhou em Recife entre os anos de 1638 a 1643, sob o comando do Conde João Maurício de Nassau. Nessa época Recife estava sob domínio holandês que travava uma disputa comercial com Portugal e tinha o Brasil como uma de suas colônias.

A obra de Georg Marcgrave como naturalista, Historia naturalis Brasiliae, editada ainda no século 17 serviu de referência para inúmeros cientistas e curiosos interessados em conhecer e estudar o novo mundo. No entanto o seu trabalho astronômico não chegou a ser editado devido a sua morte precoce, e dele sobraram apenas esparsas referências e citações, além de dois importantes manuscritos autorais depositados na Universidade de Leiden e no Observatório de Paris.

Com o advento das comemorações que marcaram no Recife os 400 anos de nascimento desse cientista, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Recife em parceria com o Centro Cultural Brasil Alemanha e com apoio da Fundação Joaquim Nabuco-FUNDAJ, da Universidade Federal Rural de Pernambuco-UFRPE e Fundação de Amparo a Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco-FACEPE, promoveram o Seminário Internacional Georg Marcgrave. Esse Seminário, que reuniu cientistas e pesquisadores do Brasil, da Alemanha e da Holanda, teve entre seus organizadores o professor Oscar Matsuura, que teve então a oportunidade de apresentar o resultado de seus estudos. Logo após, a mesma Secretaria Municipal em 2009 promoveu a Semana Municipal de Ciência e Tecnologia sob o tema “Recife Berço da Astronomia das Américas”, como parte integrante das comemorações do Ano Internacional de Astronomia e acompanhando a temática da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia do ano de 2009.

Com esses eventos, alguns fatos desconhecidos até mesmo dos cientistas da área foram divulgados no livro do professor Oscar de maneira clara e ao alcance do público e nos permitiram saber que o primeiro observatório astronômico das Américas foi construído aqui no Brasil, na cidade de Recife, em 1639. Ele possuía um quadrante maior e mais preciso daquele utilizado por Marcgrave no Observatório da Universidade de Leiden. Além disso Georg Marcgrave inovou ao utilizar concomitantemente um quadrante e uma luneta para realizar suas observações quando nem mesmo na Europa isso era feito. As medidas astronômicas anotadas por Marcgrave foram minuciosamente recalculados pelo professor Oscar e permitiram comprovar o que à época já havia sido registrado: as medidas de Marcgrave podiam ser equiparadas em precisão com as medidas anotadas pelos grandes astrônomos europeus daquela época como Ticho Brahe.

A leitura desse importante trabalho nos traz a reflexão sobre vários aspectos ainda em debate sobre as características da produção científica. Será realmente possível produzir ciência longe dos grandes centros produtores do conhecimento? A inovação tecnológica deve continuar sendo apropriada apenas individualmente? Até que ponto se percebe que o conhecimento sempre é produzido em rede? Qual o papel do Estado nessa produção? O livro nos convida a estas reflexões e tantas outras!

(*) Secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura do Recife (PE)