Abrindo o baú das ditaduras para construir um futuro de paz
Países da América do Sul ainda lidam de forma diferenciada com sua história recente. Diálogo com países como Alemanha, por exemplo, que enfrentou um passado inglório, é caminho para proteger os direitos humanos, aponta painel realizado em Berlim.
Publicado 27/12/2011 16:07
Manter o passado vivo para construir um futuro onde os direitos humanos serão sempre respeitados. Este foi o principal tema do debate intitulado "Cultura da memória", integrante de uma conferência sobre a América Latina realizada em Berlim no final de novembro.
Nas últimas décadas, as atrocidades cometidas pelas antigas ditaduras militares em diversos países da América Latina saíram das sombras e passaram a ser debatidas pela opinião pública.
Não apenas exclusividade do continente, o tópico está se tornando uma preocupação global em países democráticos. A conferência ressaltou o intercâmbio de alguns países latino-americanos com a Alemanha, que também é marcada por perseguições em sua história recente.
Memoriais para o futuro
Nos últimos anos, diversos países, como Chile, Argentina e Uruguai, criaram associações para relembrar e indenizar as vítimas. Essas iniciativas geralmente são associadas a lugares historicamente simbólicos.
Nesses países, a sociedade civil tem um papel fundamental em manter essa memória viva. "O passado não é encarado apenas como algo a se lamentar, e sim um caminho para consertar as injustiças do presente", declarou Margarita Méndez, presidente da Associação Parque pela Paz Villa Grimaldi, antigo quartel militar que hoje é museu e memorial na região metropolitana de Santiago. Ela também integra a diretoria do museu da memória e direitos humanos da cidade.
Segundo Margarita Méndez, no Chile as vítimas e os ativistas de direitos humanos reconstroem a memória através de pesquisas e investigações com ex-prisioneiros e familiares de desaparecidos. "As Forças Armadas não fornecem nenhum documento para o auxílio da construção da nossa história recente", completou.
Mesmo assim, os governos democráticos não conseguiram criar reparações para a sociedade em conjunto, apenas para as vítimas. No Chile, há mais de mil processos correndo contra oficiais militares, contou. Para a ativista, um dos principais objetivos de associações e memoriais é manter essa memória viva para as novas gerações. Mais de 50% dos visitantes da Villa Grimaldi são estudantes.
Comissão da verdade
Esse tipo de iniciativa tardou a acontecer no Brasil, mas hoje o país se ocupa da questão. Recentemente, a presidente Dilma Rousseff criou a Comissão Nacional da Verdade, que visa investigar as violações aos direitos humanos ocorridas no país entre 1946 e 1988. Durante dois anos, a comissão investigará locais, estruturas e instituições relacionadas a essas violações.
A nova comissão convocará, sem caráter obrigatório, vítimas e acusados de violações para depoimentos. Todos os arquivos do poder público também serão analisados porém, a comissão não terá o poder de punir ou recomendar que acusados de violar direitos humanos sejam punidos.
Memória x jogo de interesses
Outro país com uma relação muito particular com a memória é a Nicarágua. "Nos últimos 35 anos, tivemos nossa história constantemente reescrita e a memória propositalmente apagada", declarou Margarita Vinnini, historiadora da Universidade Nacional da Nicarágua.
Em 1978, o triunfo da revolução sandinista colocou fim a 42 anos de ditadura, o que gerou a guerra revolucionária e diversos conflitos internos. O país teve acesso à democracia neoliberal em 1990, depois da derrota do sandinismo e, mais recentemente, o triunfo eleitoral com aspirações populistas e religiosas de Daniel Ortega, eleito em 2006 e reeleito novamente nesse ano.
Cada novo governo significava mudanças drásticas na economia, na sociedade e na estrutura do país. Em cada transformação, mudaram também os discursos políticos e houve o uso e abuso da reconstrução da memória e da identidade, cita.
"A memória se tornou um campo de batalha pública que envolvia propaganda eleitoral, meios de comunicação e políticas oficiais, e que se reflete em textos escolares, comemorações oficiais e a construção ou destruição de espaços de memória", declarou a historiadora.
Aprendendo com o passado
A discussão ressaltou a importância não só do diálogo entre nações latino-americanas, mas também com países como a Alemanha. "Além de democracia, precisamos constantemente documentar nossa história e analisar os fatos de diferentes perspectivas", declarou Elke Gryglewiski, pesquisadora da Casa da Conferência de Wannsee. Hoje memorial e museu, o local histórico nos arredores de Berlim recebeu em 1942 a elite do comando nazista que decidiu sobre a deportação e o assassinato dos judeus na Europa.
A instituição mantém há mais de dez anos diálogos com a Argentina e o Chile para trocar experiências e buscar maneiras efetivas de manter a história viva e imparcial. Outro ponto importante é o caráter pedagógico e educacional, ressalta a historiadora: "Na Alemanha, muitos jovens resistem em se interessar pelo passado, pois nossa história está carregada de implicações morais. Não podemos deixar isso acontecer. Temos que ensinar as novas gerações que direitos humanos não devem ser apenas um discurso, mas algo que temos que aprender e usar em nossa vida cotidiana".
Fonte: Deustche Welle, por Marco Sanchez, com revisão de Roselaine Wandscheer