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Egídio Brunetto deixa exemplo de sensibilidade em defesa da terra

Matéria publicada no Jornal Sem Terra, edição novembro/dezembro 2011, lembra o militante do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), Egídio Brunetto, 55 anos, que morreu há cerca de um mês em um violento acidente de carro. Neste ano, até agosto, 4.768 pessoas morreram somente nas estradas do país, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O Vermelho reproduz texto, da jornalista Vanessa Ramos, com relato de parentes e amigos.

Um mês sem a sensibilidade e inteligência do companheiro Egídio Brunetto

O céu estava claro, onde uma grande festa acontecia sob o calor de dezembro, no Mato Grosso do Sul. Ônibus e carros chegavam e não paravam de chegar.

Era gente do Brasil todo para prestigiar a festa que uma liderança indígena realizava para casar a sua filha, chamada Atiliana, uma indígena da tribo Terena, com o camponês e militante Sem Terra Egídio Brunetto.

O ano da união de uma indígena com um Sem Terra foi 1995. Dez anos antes, no dia 25 de maio de 1985, o MST realizou a primeira ocupação no município de Abelardo Luz, em Santa Catarina.

Como não podia ser diferente, Egídio estava lá. Por ser um jovem ativo, liderou a primeira comissão de negociação de despejo e assentamento das famílias acampadas. E assim iniciou a sua bela trajetória dentro do Movimento.

Filho de camponeses Sem Terra, Egídio nasceu em 8 de novembro de 1956. Começou a trabalhar na roça ainda criança para ajudar o pai. Como muitos jovens camponeses, a indignação cresceu junto dele e logo descobriu que a única solução para resolver os problemas sociais e agrários do Brasil era a luta. Assim, não demorou muito para se envolver com a Pastoral da Terra, na região de Xanxerê, município de Santa Catarina.

Ainda na década de 80, foi para o Mato Grosso do Sul lutar pela Reforma Agrária e por mudanças sociais. Lá conheceu Atiliana, com quem teve o filho Giovanni Ernesto, uma homenagem ao seu pai e ao Che Guevara. Era 2 de maio, domingo do Dia das Mães. “E lá estávamos na maternidade. Ele todo orgulhoso dando entrevista, levou a repórter até meu quarto e também falei um pouco da importância desse papel de ser mãe e, assim, se mostrou companheiro, sempre cuidadoso.

Levantava na madrugada comigo para cuidar de Giovanni. Era o melhor pai, orgulhoso em cada surpresa que nosso menino apresentava e, assim, continuávamos nos amando”, relembra Atiliana.

Em 2002, nasceu a menina Anahi (na primeira foto), uma homenagem a índia Guarani que defendeu seu povo contra os espanhóis. “Nossa vida foi construída com muita alegria”, conta Atiliana. Como um pássaro, Egídio voou mais alto: empunhou a bandeira do internacionalismo e da solidariedade às luta dos povos e da classe trabalhadora, responsável pela relação do Movimento com organizações camponesas na América Latina e no mundo. Foi o fundador da Via Campesina Internacional.

Segundo seu amigo e companheiro de luta no Movimento, o catarinense Ademar Bogo, duas características fortes marcavam a sua personalidade: a sensibilidade e a inteligência. “Um camponês astuto, um sábio formado pela própria cultura. Gostava das coisas práticas. Era franco, direto e extremamente generoso”, descreve.

Contador de histórias

Egídio aprendeu a importância da organização dos camponeses participando dela. De acordo com Bogo, orientava-se por princípios e era portador de uma elevada auto-estima e de uma moral revolucionária. Gostava de ouvir histórias e depois recontá-las.

As viagens que fizera pelo mundo o ajudaram a se tornar uma bela biblioteca de exemplos. Ouvia lideranças, personalidades e intelectuais com admiração e tornava o que diziam em conteúdos de reflexões nas falas que constantemente fazia. Carregava consigo sempre alguma semente, um remédio ou uma receita e aproveitava todos os momentos para anunciar os benefícios que a natureza guarda para colaborar com o ser humano.

Não era intransigente, mas tinha firmeza naquilo que dizia e defendia. Para ele, o imperialismo era inaceitável e deveria ser combatido com todos os instrumentos em todas as parte do mundo. Paciente, meio tímido, sabia esperar. Não gostava de exibir-se, nem de pompa, de luxo ou privilégio, mas defendia a estética e a beleza, frutos do trabalho e das conquistas humanitárias. “Movia-se pela mística revolucionária”, segundo Bogo. “Percebia-se na expressão da fala e no olhar que guardava em si uma esperança, um desejo, uma utopia. Por tudo isso, praticava com facilidade dezenas de valores”, disse Bogo.

A perda

Na final da tarde do dia 28 de novembro de 2011, um trágico acidente de automóvel em Ponta Porã, na divisa do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, tirou a sua vida. Egídio seguia para um assentamento da região quando sofreu o acidente. Nos últimos meses, antes da tragédia, o orgulho de Egídio era uma cartinha escrita pela filha para ser entregue à presidenta Dilma. A redação tratava de racismo.

Atiliana contou que nem ele mesmo tinha pensado na dimensão do problema que ela colocou no papel, pois ela trabalhou a ideia do racismo contra o branco, o negro e o índio. “Ele ficou tão feliz e orgulhoso, principalmente quando ela escreveu: o governador diz que os índios são preguiçosos, mas meus avós trabalham muito para ter o que comer”.

“Ele foi o companheiro mais maravilhoso que alguém pode ter. Sou muito feliz de ter sido a pessoa que conviveu com seus beijos, abraços, carícias. Ele foi companheiro, amante, namorado. Me encheu de pequenos símbolos que hoje me agarro para diminuir a dor da saudade que ficou em meu peito”, contou emocionada Atiliana.

Fonte: Jornal Sem Terra