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Luciano Martins Costa: A espuma das retrospectivas

Este é o período do ano em que a imprensa brinda seu público com as alentadas retrospectivas e com ambiciosas perspectivas para o futuro próximo. Dadas certas características do noticiário, porém, é aconselhável que o leitor não leve muito a sério tudo que lê.

Por Luciano Martins Costa*

Se considerar as edições de terça-feira (27/12) do Estado de S.Paulo e da Folha de S.Paulo, por exemplo, terá de escolher entre duas alternativas para o mesmo acontecimento.

No Estadão, “Número de homicídios sobe pelo segundo mês em São Paulo”.

Na Folha, a manchete festiva garante que “Homicídio cai e roubo de veículos sobe em São Paulo”.

O Estadão afirma ainda que o número de latrocínios – roubos seguidos de morte – ocorridos até novembro deste ano supera o total de 2010 em 15% em todo o estado. A tendência de alta também se repete na capital.

Notícias velhas

A diferença entre os números dos dois jornais paulistas é o período escolhido para as comparações. AFolha compara novembro de 2011 com novembro de 2010, enquanto o Estadão leva em conta os dados do ano inteiro.

Evidentemente, cada editor escolhe os itens que quiser no conjunto de estatísticas. Ao isolar os dados de novembro, menos preocupantes, a Folha de S.Paulo revela sua predisposição para poupar a imagem do governo paulista. Considera essa sua versão das estatísticas do crime em São Paulo mais importante do que o fato de a economia do Brasil ter superado a da Grã-Bretanha, tornando-se a sexta maior do mundo – essa foi a manchete do Estadão e do Globo.

O mesmo critério questionável é seguido por todas as publicações quando ocorre a seleção dos assuntos considerados mais relevantes no ano que termina. O falecido economistaRoberto Camposdeu ao seu livro de memórias o título de Lanterna de popa. E explicou que tirava as palavras de uma frase do filósofo britânico Samuel Taylor Coleridge: “A luz que a experiência nos dá é a de uma lanterna na popa, que ilumina apenas as ondas que deixamos para trás”.

O livro de Roberto Campos é considerado por alguns como uma autobiografia, mas ele mesmo o considerava apenas um livro de memórias – e memórias muito seletivas.

O problema com as retrospectivas da imprensa é que iluminam apenas o que a imprensa quis ver, do jeito que ela viu. Por essa mesma razão, essas coletâneas de notícias velhas não trazem o que a imprensa não quis ver.

O best-seller invisível

Ninguém vai ler, por exemplo, nas retrospectivas sobre o mercado editorial, que o livro A privataria tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., representa um fenômeno de vendas neste final de ano. Conforme destaca o portal Comunique-se, é o segundo mais vendido de acordo com as listas das livrarias Cultura, Publifolha e Saraiva, além do site especializado Publishnews, perdendo apenas para o best-seller internacional Steve Jobs, de Walter Isaacson. No entanto, o livro polêmico é completamente ignorado pelo ranking dos vinte mais vendidos da revista Veja.

Aliás, não fosse por um artigo de um historiador publicado na terça-feira (27) pelo Globo, a obra do jornalista Ribeiro Jr. teria passado em branco pelas páginas dos principais jornais do país. Para o indignado historiador, A privataria tucana “foi produzido nos esgotos do Palácio do Planalto”.

Afora esse verdadeiro primor de destempero verbal, o livro segue na geladeira das redações e, logicamente, ignorado nas retrospectivas ao longo dos tempos. Exceção feita ao blog do jornalista Paulo Moreira Leite, no site da revista Época.

Donde se conclui que essas retrospectivas, como diria Roberto Campos, são apenas espuma de águas servidas.

* Luciano Martins Costa escreve no Observatório da Imprensa

Fonte: Adnews