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João Amazonas, um revolucionário à altura dos grandes desafios

Ao registrar o transcurso dos 15 anos da morte de João Amazonas, o Portal Vermelho publica novamente o artigo de Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois (FMG). No artigo, publicado originalmente em 01.01.2012, quando Amazonas faria 100 anos, Renato Rabelo, então presidente nacional do PCdoB, aborda o papel histórico daquele que foi o principal formulador teórico e político do PCdoB.

João Amazonas com Lula e Renato Rabelo, em 1989 l Foto: Arquivo PCdoB

João Amazonas, construtor e ideólogo do Partido Comunista do Brasil, completaria cem anos neste 1º de janeiro. Ele viveu 90 anos – entre 1912 e 2002 – dos quais dedicou quase sete décadas à atividade política, em defesa das convicções revolucionárias e da construção e consolidação do Partido Comunista do Brasil.

Conheci J. Amazonas, pela primeira vez, em 1972, quando foi culminada a integração da Ação Popular ao PCdoB. Convivi com este proeminente líder comunista três anos no exílio, em Paris, junto com Diogenes Arruda, na consecução da imprescindível tarefa de reagrupar o Partido e conduzi-lo de fora do país em tormentoso momento, após o duro episódio conhecido como Chacina da Lapa (16/12/76), quando a maior parte da direção central do Partido foi abatida por sanguinário órgão de repressão do regime militar. A anistia alcançada nos permitiu voltar ao Brasil em finais de 1979. Diante de nos, comunistas, o imenso desafio de reestruturar o Partido. Desde então, seguiu uma extensa e profunda relação de convívio político entre eu e Amazonas, do compartilhamento de grandes responsabilidades na edificação do Partido Comunista do Brasil, até sua morte em abril de 2002.

Tive a oportunidade e o privilégio de viver e trabalhar conjuntamente com este ousado revolucionário, abnegado e ardoroso defensor de grandes ideais civilizatórios, sempre atento ao novo tempo, arguto político inserido no curso prático, empenhado na busca incessante da construção de uma nova sociedade, superior ao sistema capitalista – a sociedade socialista na sua plenitude. Para mim foram 30 anos de fértil aprendizado teórico, político e prático. Período mais avançado e rico de minha militância dedicada à causa revolucionária e comunista, que me forjou para melhor puder responder junto com nosso coletivo aos difíceis desafios da atualidade.

Amazonas foi um dos mais proeminentes ideólogos da causa revolucionária em nosso país, e deixou um legado do rico pensamento político, de exemplo de militante revolucionário e um respeitado e influente Partido Comunista do Brasil. E, embora tenha deixado um grande legado de textos escritos e publicados, foi ser um grande construtor do Partido Comunista do Brasil. Sua vida foi um esforço constante de ligação da teoria com a prática, e uma atividade permanente de estreito vínculo com os anseios dos trabalhadores e do povo, e de viver atualizado com sua época.

Como construtor do Partido, teve papel decisivo nas reorganizações comunistas no Brasil, que resultaram no partido que existe hoje. A primeira reorganização de que participou, durante o período da ditadura do Estado Novo, teve seu ponto mais alto na realização, em 1943, da clandestina Conferência Nacional da Mantiqueira. A segunda foi a reorganização ideológica e política de 18 de fevereiro de 1962, com a realização da 6ª Conferência Nacional. Mas é preciso citar também a reorganização ocorrida em 1978 e 1979, na 7ª Conferência Nacional, depois do grave ataque contra a direção comunista no Brasil representado pela Chacina da Lapa, já referida. A resistência contra a maré contrarrevolucionária e anticomunista que acompanhou a crise socialista do início da década de 1990 teve também a envergadura de uma reorganização.

Nela, cujo marco foi a realização, em 1992, do 8º Congresso do PCdoB, João Amazonas teve papel decisivo. Diante daqueles acontecimentos – a derrubada do muro de Berlim e o fim da União Soviética – os comunistas ficaram sujeitos à colossal pressão ideológica com o destampar da onda conservadora e antirrevolucionária. Essa onda se traduziu em muitas situações de rendição e abandono do caminho transformador revolucionário. É nesse momento histórico de profundo revolvimento e ameaça aos ideais comunistas que a figura do eminente revolucionário João Amazonas se revelava. Ele consegue responder a momento tão inquietante com uma contribuição em que vasculha, de modo agudo, nos meandros da vasta experiência revolucionária do século 20, as causas dos revezes, em busca dos ensinamentos essenciais. Sua contribuição teórica e política para o Partido Comunista foi decisiva naquele período, avançando uma compreensão teórica que ele já vinha construindo desde antes da crise do socialismo, nas décadas de 80 e 90, e que refletiam a crise na interpretação e desenvolvimento da teoria marxista.

Nesse esforço teórico, Amazonas localiza um dos ensinamentos fundamentais da vasta e complexa experiência do movimento comunista: não existe um modelo único de caminho e de construção socialista. Apesar de haver uma teoria geral, ela deve levar em conta as particularidades nacionais, históricas, políticas, econômicas, sociais e culturais em conjunção com os pensamentos político e científico avançados da época e de cada país.

No caso do Brasil, sua contribuição foi primordial para a evolução do pensamento estratégico do PCdoB. Mais especificamente no sentido de que existe uma etapa objetiva de transição relativamente prolongada do capitalismo ao socialismo. Ou seja, essa etapa não pode ser determinada arbitrariamente, nem suprimida ou acelerada artificialmente, não havendo uma passagem direta e automática do capitalismo ao socialismo. Essa etapa de transição se constitui, com o avanço da consciência política e social, na conquista de um poder estatal democrático-popular, no aprofundamento da democracia e na defesa da independência e da soberania nacional, de ampla liberdade política para as correntes populares, da existência, ainda, de uma economia híbrida com vários componentes de caráter econômico diferenciado.

A importante contribuição de João Amazonas naquele difícil período do início da década de 1990 ajudou a fortalecer a identidade comunista no PCdoB e extraiu lições da crise, fazendo progredir a teoria e a prática política tornando-as condizentes com a exigência de nossa época, atualizando
nossa compreensão estratégica sobre o desenvolvimento histórico rumo ao socialismo.

Sob a direção de João Amazonas o PCdoB nunca recuou diante de suas responsabilidades históricas. Se o partido fortaleceu sua ação no meio do povo e dos trabalhadores, com crescente presença na luta sindical e nos movimentos sociais, sua presença na luta política de massas no final da ditadura militar também foi decisiva, atuando nas várias instâncias de sua manifestação. Na campanha pelas Diretas Já, em 1984/1985, a militância comunista teve presença intensa. Quando a emenda que devolvia aos brasileiros o direito de votar para presidente da República foi derrotada no Congresso Nacional, o foco da luta contra a ditadura passou a ser a disputa no colégio eleitoral espúrio criado pelo regime dos generais para indicar os governantes. E, nessa mudança de tática, João Amazonas – que, por suas ideias, coerência, persistência, simplicidade e elevado caráter, influenciou e adquiriu grande respeito além dos marcos partidários – teve papel destacado para convencer Tancredo Neves a deixar o governo de Minas Gerais e se candidatar a presidente da República por aquele Colégio Eleitoral. Era um momento delicado da luta pela redemocratização em nosso país, e aquela foi a saída encontrada, com o apoio dos comunistas, para a superação do regime militar. Nos anos seguintes, esse papel se reafirmou quando João Amazonas teve também influência determinante na construção da Frente Brasil Popular, em 1989, que lançou pela primeira vez o nome de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República. Este o passo inicial na construção de uma candidatura que seria vitoriosa mais de uma década depois, em 2002, sempre com o apoio construtor e entusiasmado de João Amazonas e do PCdoB, como o próprio ex-presidente Lula muitas vezes reconheceu publicamente.

O PCdoB vive hoje o maior e mais exigente momento de sua história. O partido cresce como nunca, ultrapassa marcas histórias em número de filiados e de militantes; está presente em todos os níveis de governo (da presidência da República a prefeituras), tem uma bancada parlamentar atuante e muito respeitada, tem uma presença forte e ativa nos movimentos sociais, atuando como força dirigente em muitas organizações populares e de trabalhadores. No exterior, é reconhecido e respeitado, e suas opiniões são levadas em conta por comunistas de vários países no momento em que o capitalismo atravessa uma das mais graves (talvez a mais grave) crise de sua história. Este PCdoB, influente e reconhecido, foi o principal legado teórico, prático e político daquele homem simples que foi João Amazonas, um revolucionário que nunca recuou diante das mais difíceis e complexas exigências da luta de classes. O pensamento e o exemplo deste audaz dirigente comunista é um imprescindível guia para a luta desafiadora que o PCdoB tem a percorrer a fim de alcançar os objetivos maiores.