Padre Vito Miracapillo volta ao Recife após expulsão na ditadura
Por ter se negado a celebrar uma missa de Ação de Graças em homenagem a Pátria em Ribeirão, interior de Pernambuco, na época da Ditadura Militar, o padre Vito Miracapillo foi expulso do Brasil. E agora, após 31 anos, decide voltar a Recife para revalidar seu visto permanente no Brasil – direito reconquistado em novembro passado, com a autorização do Ministério da Justiça. O paroco chega nesta terça-feira (3), às 21h, no aeroporto dos Guararapes.
Publicado 03/01/2012 17:35 | Editado 04/03/2020 16:57
A expulsão
Em outubro, no ano de 1980, o general João Batista Figueiredo que era o ditador de plantão, assinou um ato, pedido pelo então deputado estadual de PE, Severino Cavalcanti do PDS, expulsando do Brasil o padre Vito Miracapillo. O motivo seria porque ele teria recusado celebrar uma missa na Matriz de Sant’ Ana, em Ribeirão, no dia 7 de setembro, às 10h, alegando que o Brasil não era um país livre e que os homens de farda faziam o que queriam.
O Padre ainda enviou uma carta aos poderes Executivo e Legislativo, que serviria de documento probatório e de base fundamental, para justificar a sua expulsão do país. Carta essa que chamamos aqui de Pecado Original:
Ao prezado Prefeito Salomão Correia Brasil
À distinta Câmara Municipal
Tendo recebido o convite para as solenidades da “Semana da Pátria”, faço cientes aos Excelentíssimos Senhores de que não será celebrada a Missa de Ação e Graças no dia 07 e no dia 11, na forma e no horário anunciados. Isto por vários motivos, entre os quais a “não efetiva independência do povo”, reduzido à condição de pedinte e desamparado em seus direitos.
Atenciosamente,
Pe. Vito Miracapillo
Efeitos
O italiano era muito querido em Ribeirão e em toda Zona da Mata, por isso a atitude do representante do regime militar deixou o Estado em efervescência. A cidade amanheceu, no dia 02 de outubro, num clima de tensão. Não se falava em outra coisa, se não, na expulsão do Padre. A partir das nove horas começaram a chegar ônibus de várias cidades da região, inclusive dois ônibus de Olinda e do Recife. Às dez horas já havia mais de mil e quinhentas pessoas, entre elas dois bispos, cinqüenta e dois padres, um grande número de freiras, deputados, advogados, sindicalistas, jornalistas e uma grande quantidade de trabalhadores rurais.
O assunto dominou os jornais de Recife e as conversas dos moradores de toda a capital. Foram promovidas manifestações a favor do religioso, os deputados do MDB fizeram contundentes pronunciamentos, mas nada adiantou. Essa iniciativa provocou no país um grande debate: o confronto entre a Igreja e o Estado.
“O parlamentar, Deputado Estadual Severino Cavalcanti – PDS fez um apelo através da Assembléia Legislativa, ao Ministro da Justiça para que seja apurada a atitude antipatriótica do sacerdote católico e, com base nos artigos do Estatuto dos Estrangeiros, cuja transgressão é punida com a expulsão do país, seja punido este mau sacerdote que está fazendo um péssimo serviço à Igreja, à família e ao Estado, provocando distúrbios da ordem pública em Ribeirão”, manchete da do Diário de Pernambuco. Recife PE. 06/08/1980. Primeira página.
A Volta
Passados 31 anos, reconquistada a democracia, Vito Miracapillo volta pela primeira vez ao Brasil, onde vai passar 13 dias e tentará regularizar seus documentos. Quando chegar ao Recife terá uma calorosa recepção do povo pernambucano que o aguardará no aeroporto e também nas cidades de Ribeirão e Palmares, onde fará uma breve visita.
História
O General Figueiredo foi o último presidente do regime militar e morreu em 1999. Severino Cavalcanti cumpriu vários mandatos de deputado estadual, depois chegou à Câmara Federal, tendo sido cassado quando era presidente daquele poder, por corrupção. Hoje é prefeito de João Alfredo, na Zona da Mata pernambucana. O advogado Pedro Eurico, um dos grandes defensores de Miracapillo, ficou 20 anos na Assembléia Legislativa, tendo perdido seu mandato parlamentar no último pleito.
Fonte: Informações da mídia local e MIRACAPILLO, Vito. O Caso Vito Miracapillo. Recife: Nordestal/Comunicarte, 1985