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O homem ao lado ou o do facebook? Sem comentários!

Numa manhã, com mais tempo, extrapolei a minha costumeira ronda pelo facebook, indo além dos retornos a demandas e de alguns “curtir” para manutenção de amizade e demonstração de afinidade com o assunto em post. Resolvi comentar, em seara alheia, uma notícia de jornal: "Umberto Eco foi preso em flagrante transando com prostituta". Do ato involuntário fui levada a uma reflexão, esta, sobre o filme argentino, O homem ao lado, entre os melhores da safra de 2011.

Por Christiane Marcondes

O homem ao lado, o filme - Divulgação

Voltando ao ato, declarei em relação à matéria sobre Umberto Eco que “como bom italiano (quem não tem essa pimenta no sangue miscigenado, aqui no Brasil, que atire a primeira pedra), o escritor continuava em forma aos 80 e isso me deixava ainda mais fã dele”. Não foi com essas palavras, mas parecidas, e a intenção era interagir com o meu amigo que postou a notícia, único conhecido na turma que já estava e continuou a se manifestar. Nem li a matéria em italiano, confesso.

E eis que do nada, fui duramente censurada, quase acusada de adepta de pedofilia (a garota com o Eco, no caso, não tinha 18) por nova "comentarista" do episódio. Arrependida pela invasão (já que eu sequer conhecia a pessoa que estava me questionando), eu finalmente me consolei quando outra criatura, desencanada e bela pensante, disse pra “deixarem o cara se divertir e que o assunto não envolvia crime”. Colocou em debate o que é ser “menor”, já que a moça era profissional do sexo.

A discussão no facebook seguiu até que outro, mais esperto ainda, descobriu que a matéria era de 2009. Daí tive que voltar à cena entre desconhecidos e postei: “Um fato velho, comentários novos”. Esta é uma das contradições da rede, o que cai ali é fisgado como novidade. O que cai ali é digerido quase sempre como fast food, na mesma rapidez com que os posts são teclados. Já me arrependi de muita besteira que escrevi sem ler direito ou sem ter o direito, como no exemplo narrado.

Ao lado e tão distante

Mas a conclusão principal dessa minha experiência não é nenhuma das anteriores. Percebi, ou senti na pele, a virulência que a rede social suscita. Muitos debates ali são mais viscerais que virtuais. E, nesse livre pensar, me lembrei do belo filme argentino que assisti há dois dias, O homem ao lado — também de 2009, como a notícia do Eco — dirigido por Mariano Cohn e Gastón Duprat.

Li críticas reduzindo-o a uma trama que mostra problemas “entre vizinhos”. Se for assim, as questões entre Palestina e Israel, ou tantas outras que geraram guerra, são também “problemas entre vizinhos”. A visão é muito simplista.

O título faz referência a um ser de carne e osso que está “ao lado”. Coisa que, convenhamos, não ocorre em uma rede social, ninguém está ao lado, mas geográfica e afetivamente distante na maioria das vezes. Só que, em uma inversão da lógica social, o “homem ao lado” é mais virtual – no filme – do que um cara como o que postou comentário com acusações ou dúvidas a meu respeito, nesta referida manhã, no facebook.

O filme conta a história de Victor (Daniel Aráoz), o homem do lado “sombrio”, por isso abre uma janela na parede do vizinho em busca de sol, e de Leonardo (Rafael Spreguelburd), o homem do centro “das atenções”, já que é um designer bem-sucedido que vive na única casa feita na América pelo famoso arquiteto Le Corbusier, localizada na cidade de La Plata.

Turistas vão ao local em romaria, fotografam e se atrevem a pedir para entrar. Leonardo vive em uma espécie de cenário, ou jaula, emoldurado pela curiosidade alheia. Mas tem o verniz burguês, não se desentende com os visitantes não convidados e negocia com o vizinho em vez de partir para brigas que atendam a uma imensa raiva que cultiva na intimidade. Raiva que gera uma completa falta de diálogo com a filha (a menina não abre a boca em todo o filme, vive com um fone de ouvido, dançando rap) e repercute no relacionamento com a esposa, uma professora de yoga histérica, ou seja, uma fraude. Fraudulenta também é a vida em paz da família.

Já o vizinho é legítimo em tudo, um bruto nos modos, um cavalheiro nas reações. O final da história, que não dá para revelar sem quebrar o suspense, confirma como é virtual e distante a relação de Leonardo com o resto da humanidade. Parece um final de game, bombas explodem e os jogadores morrem, mas é só de mentirinha. Basta zerar o placar e recomeçar, sem drama.

Será que estamos imunizados contra os sentimentos na vida real e hiper-sensibilizados na internet, como se lá estivessem os fatos pelos quais vale a pena nos indignarmos? A julgar pela censura que os Estados Unidos estão tentando impor à internet, já com oposição de meio mundo, talvez seja hora de rever nossas emoções diante da pessoa “ao lado”. E fazer um upgrade na vida em vez de no computador.