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De Livorno, 1921, a hoje, uma lição sempre atual

Noventa e um anos se passaram desde a fundação do Partido Comunista da Itália, apesar disso a experiência histórica daquele que se tornaria depois o partido comunista mais forte de todo o Ocidente conserva uma notável atualidade.

Por Alexander Höbel*

Não porque o contexto geral não tenha mudado completamente, não só com respeito a 1921 mas também ao mundo e à Itália dos anos 1960 e 1970; nem porque os problemas e desafios com que hoje os comunistas devem medir-se sejam os mesmos de então. Mas porque é a inspiração de fundo daquela experiência que permanece e conserva uma grande utilidade para os dias de hoje; a ambição de transformar radicalmente este País no quadro de uma luta mundial pela emancipação, mas também uma linha específica de tipo estratégico.

Limitemo-nos a dois exemplos. Primeiro, a política de massa, ou melhor a inspiração de massa da política do partido, que o PC da Itália, exceto em alguns momentos bem determinados, foi capaz de manter durante quase toda a sua história. É a política de Gramsci e do grupo ordem-novista já antes da fundação do partido, quando seguiam e dirigiam a luta dos operários turinenses e a experiência dos Conselhos de fábrica, pondo-se ao lado dos trabalhadores, dentro da classe operária e dos seus organismos; é a política traçada pelas Teses de Lion, quando Gramsci si preocupa em primeiro lugar em individuar a força motriz da revolução italiana, a classe social e as camadas de classes sociais com as quais o proletariato industrial teria podido e deveria aliar-se para derrubar o estado de coisas presente: esta análise das forças sociais da mudança, que deveremos voltar a fazer com renovada atenção.

E ainda: é a política seguida pelo PC da Itália durante o fascismo, primeiro com a defesa das organizações de classe – células de partido e sindicais, organismos de soccorro mútuo etc. -, mesmo que clandestinas; depois pondo-se ao lado do precioso e importante trabalho no interior das organizações de massa do regime – sindicatos e principalmente depois do trabalho -, justamente para não isolar-se, para não perder a ligação com aqueles trabalhadores que o fascismo tentava arregimentar e organizar também no tempo livre, mas que – contando com as contradições materiais e o conflito inapagável dos interesses de classe – os comunistas podiam ainda mobilizar, realizando a luta reivindicativa e uma ação de esclarecimento político e ideológico que permitisse trazer ao próprio partido os melhores elementos do proletariato.

É esta a política – elaborada e guiada por homens como Gramsci, Togliatti, Longo e tantos outros – que permite que o PC da Itália permaneça uma força viva e com raízes, ainda que nas condições dificílimas impostas pelo fascismo; é esta a politica de Camilla Ravera, Teresa Noce e de tantas outras mulheres, dirigentes comunistas de primeiro plano, que mantiveram viva a ligação com as massas femininas. E é graças a este trabalho que os comunistas se juntaram à Resistência, não como uma força estranha, à parte mais consciente das massas populares, o que lhes permitiu se colocarem à frente da luta de libertação. Com homens como Longo, Secchia, Amendola e muitos outros, jovens como Eugenio Curiel que no fogo da luta refletiam sobre a democracia progressiva e sobre como transformar o País quando a guerra terminasse.

A mesma inspiração ligada à política de massa é relançada pelo “partido novo” a partir de 1944, é talvez, mais do que isso, o próprio coração do projeto togliatiano: um partido de massa, fortemente radicado na classe operária e no mundo do trabalho assalariado em geral, que com as suas células nos locais de trabalho, com suas seções e Casas do povo nos territórios, tivesse sempre viva a ligação orgânica com as massas populares, costituindo um extraordinário instrumento de educação política de massa mas também uma escola contínua para quadros e dirigentes, que deviam reportar-se cotidianamente a essas massas, aos seus problemas e às suas exigências.

Esta inspiração sobreviveu à morte de Togliatti, foi levada adiante pelo PCI de Luigi Longo, na transformação tumultuada vivida pelo País nos anos 1960, com a capacidade de colher os novos sinais, usar os novos instrumentos de comunicação, dirigir ou pelo menos ter uma presença orgânica nas lutas essenciais daqueles anos, como as grandes lutas operárias de 1966-1970, a mobilização contra a guerra do Vietnã, conseguindo estabelecer um diálogo não sectário nem subalterno com o próprio movimento estudantil. Esta política de massa vai até o PCI de Berlinguer, se bem que em diversas passagens a dialética entre a mobilização de baixo e ações políticas “do alto” (reuniões de cúpula entre partidos, encontros entre dirigentes etc.) viu prevalecer de modo excessivo o segundo aspecto; e todavia aquele PCI era ainda um partido profundamente radicado entre os trabalhadores e nas massas populares, em condições de mobilizar enormes massas no tereno antifascista, na luta pela paz e no conflito social, até agregar a si mais de 40% da população italiana em defesa da escala móvel.

O segundo exemplo é o da política cultural, que foi como o PCI conseguiu pacientemente construir a linha guia e os instrumentos concretos para incidir na cultura e ainda no senso comum do País, o que constituía um dos elementos centrais – certamente não o único – da estratégia da hegemonia. A formidável operação da política cultural conduzida em torno do pensamento de Gramsci, pela sua popularização mais vasta possível; a criação de instrumentos essenciais como o Instituto Gramsci, com as suas sessões de trabalho, e de uma série de revistas, em condições de levar adiante uma elaboração elevada, fruto de competências específicas, que depois serviam também à política do partido, à elaboração da sua estratégia e da sua proposta programática.

E ainda, a relação fecunda com ampla parte da intelectualidade progressista italiana, não só marxista ou comunista (considere-se a relação com os congressos gramscianos confiados a Eugenio Garin), e ao mesmo tempo a relação contínua com tudo o que o marxismo e o movimento comunista e anti-imperialista produziam no terreno cultural; a consciência de que o campo da pesquisa tem uma autonomia e a necessidade de instrumentos próprios que são diferentes daqueles estritamente políticos; e que todavia são essenciais à política proecisamente porque aquele trabalho de elaboração e pesquisa é conduzido de modo rigoroso, indo além das contingências políticas cotidianas.

Política de massa e política cultural de alto nível eram, pois, aspectos complementares na experiência do PCI, duas faces da mesma medalha, dois componentes indispensáveis da estratégia de hegemonia. A elaboração e a habilidade se ligavam ao programa e à proposta política e legislativa do partido – um partido que, seguindo a indicação togliatiana, propunha sempre a solução própria aos problemas, em vez de limitar-se a uma ação de mera propaganda – e ao mesmo tempo contribuíam à construção de um novo senso comum de massa, formavam de modo inovador milhões de pessoas.

Trata-se de dois momentos essenciais da ação política que hoje temos a urgente necessidade de relançar nas formas e com os instrumentos oportunos. Também por isso, refletir sobre a experiência do PCI e aplicar o melhor daqueles ensinamentos ao contexto diferente é algo que serve muitíssimo aos comunistas de hoje, àqueles que querem mudar este País e o mundo no século 21.

*Coordenador do Comitê Científico de Marx 21
Fonte: www.marx21.it

Tradução da redação do Vermelho