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Albano Nunes: Stiglitz, ideólogo do capitalismo

O capitalismo tem assumido no tempo e no espaço diferentes formas de existência e os seus ideólogos nunca falaram a uma só voz. A social-democracia, seja qual for a sua variante, o que procura é salvar o sistema.

Por Albano Nunes*

E se há tempos de grande unanimismo e "pensamento único" como aconteceu nos anos de celebração triunfalista das trágicas derrotas do socialismo, outros há em que a crise do capitalismo e o desenvolvimento da luta de classes alimentam divergências reais no seio da classe dominante, nomeadamente entre as duas grandes correntes históricas que a sustentam, a "liberal/conservadora" e a "social-democrata/keynesiana".

Perante a instabilidade e a incerteza do quadro internacional, a perspectiva de um longo período de recessão econômica e a possibilidade de um novo crash ainda mais destruidor, é essa a situação atual. Muitos se apercebem que a hegemonia do grande capital financeiro e especulativo, as violentas políticas de "austeridade" conduzidas pelo FMI e pela UE, a manipulação da espiral da dívida para estrangular o desenvolvimento e provocar o empobrecimento de países soberanos, o desemprego em massa e a falta de medidas para o combater, o aprofundamento das desigualdades, tudo isto não só contraria o objetivo da recuperação econômica como leva no bojo inevitáveis explosões de descontentamento social com o questionamento dos próprios fundamentos da ordem capitalista.

É isto que faz correr reputados economistas e publicistas que criticam as políticas "ultra-liberais", denunciam a "falta de transparência" e os "excessos" da especulação financeira, lamentam a ausência de "consciência social" das políticas dominantes, insistem na necessidade de maior "regulação" do sistema bancário e preconizam um "governo europeu" e mesmo um "governo mundial" que previna a eclosão de crises (como se estas não fossem inerentes ao próprio sistema de exploração capitalista) sem entretanto irem às raízes da situação, e preocupando-se muito pouco com fenômenos tão perigosos como o espezinhamento das soberanias nacionais, o avanço do nacionalismo xenófobo e fascizante ou o aumento dos perigos de guerra.

Vem isto a propósito da recente estadia em Portugal de Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da economia e ideólogo de referência, bem conhecido pelas suas posições críticas em relação a numerosos aspectos das políticas neoliberais. Muitas das suas declarações e posicionamentos, até por virem de alguém que tem estado bem por dentro do sistema – vice-presidente e economista-chefe do Banco Mundial, conselheiro de presidentes dos EUA, relator de comissões da ONU sobre a reforma do sistema monetário internacional ou alterações climáticas – têm contribuído para desmontar atoardas e ajudado a combater as políticas mais reaccionárias.

E durante a sua visita a Portugal ouviu-se preocupações e críticas certeiras, nomeadamente quanto à imperiosa necessidade de políticas orientadas para o crescimento económico, que podemos subscrever sem dificuldade. Mas ouviu-se também declarações de branqueamento das funestas políticas governamentais e mesmo de apoio ao monstruoso acordo cozinhado entre o governo, o patronato e a UGT no preciso momento em que era assinado.

Vinda de um dos grandes corifeus ideológicos do sistema uma tal posição não surpreende, mas a sua gravidade não pode deixar de ser assinalada. Num momento alto da ofensiva do capital Stiglitz toma partido contra os trabalhadores e o povo português. Podendo ao menos ter evitado comprometer-se numa atitude que ainda por cima é de aberta ingerência na vida interna portuguesa, não o fez.

Numa questão central na aguda luta de classes que se trava no nosso País, e num momento particularmente delicado dessa luta, Stiglitz, que é frequentemente apresentado como "neo-keynesiano", colocou-se explicitamente do outro lado da barricada. Aqui fica o registo e o aviso à navegação. Nada de distrações. A social-democracia, seja qual for a sua variante, o que procura é salvar o sistema, não combatê-lo e muito menos superá-lo.

* Albano Nunes é membro da direção do Partido Comunista Português.

Fonte: Avante!