Um ano de protestos no Egito: a revolução continua
Recém-chegado do Egito, onde esteve para acompanhar as manifestações do aniversário de 1 ano do início dos protestos populares que ainda tomam conta do país, o militante político, escritor e apresentador de TV John Rees falou sobre a chamada “Revolução Egípcia” e seus rumos em um debate ocorrido na renomada Escola de Estudos Africanos e Orientais, em Londres, na última sexta-feira (27). O evento também contou a participação de Walla Quassay, estudante e ativista egípcia.
Publicado 01/02/2012 08:34
Por JR Silva, de Londres*
John Rees esteve no Egito durante os 18 dias de protestos que culminaram na queda Hosni Mubarak e também no dia 25 de janeiro deste ano, onde testemunhou uma gigantesca manifestação na simbólica Praça Tahrir. “Apesar da tentativa do Conselho Supremo Militar em criar uma divisão entre os “revolucionários” e o resto do povo, por meio de uma intensa propaganda estatal durante todo o último ano, os massivos protestos na Praça Tahrir do dia 25 mostraram que a revolução ainda está bastante energizada.”
Ainda segundo Rees, o Conselho Supremo Militar, que vem governando o Egito desde a queda de Mubarak, tentou fazer do dia 25 de janeiro apenas uma celebração, com desfile militar e fogos de artíficios, com o objetivo de fazer do dia um marco sobre algo que já passou. Mas longe de apenas celebrar, as centenas de milhares de pessoas que se reuniram na Praça Tahrir protestavam contra os militares que controlam o país, dando sinais que a revolução ainda está em curso.
Outra importante observação de Rees diz respeito à principal praça de Cairo. “Um mito que foi difundido mundo afora é que a Praça Tahrir era o local de concentração dos manifestantes. Na verdade, ela era só um ponto final. Durante os confrontos no ano passado e mesmo neste dia 25, protestos massivos saíam de todos os cantos da cidade, alguns até de cidades vizinhas. Muitos tinham quilômetros de extensão, dos quais era impossível ver o fim.”
Perguntado sobre se os protestos do início de 2011 que culminaram na queda de Mubarak poderiam ser comparados a 1905 na Rússia – quando uma insurreição popular foi suprimida, para 12 anos mais tarde, em 1917, a Revolução Russa sair-se vitoriosa -, Rees foi além, e comparou a derrubada do ditador com fevereiro de 1917. “Eu não diria que os protestos que começaram no dia 25 de janeiro podem se equiparar com 1905 na Rússia, porque 1905 foi um movimento derrotado. Entretanto, da forma que o processo aconteceu agora no Egito, com a rápida queda do líder do país em apenas 18 dias, acredito que a melhor comparação é com fevereiro de 1917, quando a Revolução Russa derrubou o governo de então e se radicalizou em outubro do mesmo ano”. Para ele, a derrubada de Mubarak foi um feito notório. “A primeira etapa foi vencida”, afirma.
Rees defende que o sucesso da Revolução Egípcia depende necessariamente da criação de uma instituição que congregue as forças revolucionárias em torno de uma plataforma em comum. “É extremamente necessária a construção de uma instituição para fazer frente ao Conselho Supremo Militar. Seria como a Assembleia Nacional na Revolução Francesa, e os Conselhos Operários na Revolução Russa.”, argumentou.
Irmandade Muçulmana
Em eleições que terminaram no fim deste mês para o Parlamento, a coalização liderada pela Irmandade Muçulmana conquistou 47% dos votos. O partido salafista Al Nour, com inclinação política ultraconservadora, obteve 25%. Entretanto, para a Rees, a sensação de falta de legitimidade nas eleições para boa parte dos egípcios é forte. “O comparecimento às urnas pelos egípcios foi de 56%. Se você comparar com a África do Sul, onde as primeiras eleições pós-apartheid tiveram a presença de 90% da população, ou mesmo com o Iraque, que sob ocupação estrangeira registrou 76% de comparecimento às urnas, verá que não é um número tão impressivo assim.”
A Irmandade Muçulmana foi proibida por décadas durante o regime de Mubarak e em junho de 2011 foi novamente posta na legalidade. Trata-se também da força política mais organizada no país. No início deste ano, o líder da organização no Egito, Mohamed Morsi, se reuniu com o número 2 do Departamento de Estado Americano, Bill Burns, após a proibição de relações formais entre os dois ter sido cancelada pelos EUA.
“O que eles querem é poder. Quando o Conselho Supremo Militar lhes puniram em novembro eles voltaram às praças. Quando eles conseguem algo, eles se acalmam novamente”, sentencia Rees.
Entretanto, segundo o escritor, a Irmandade pode estar caindo em descrédito com os egípcios. “No dia 25 não havia muitos deles lá. E hoje, na primeira sexta-feira após dia 25, houve várias hostilidades contra eles. É a primeira vez que isso acontece de uma forma mais expressiva”. Sexta-feira costuma ser o dia com o maior número de protestos no país, já que os egípcios saem reunidos das mesquitas diretamente para as manifestações.
Perguntado sobre se acha se a revolução terminará vitoriosa ou não, Rees se sai com uma citação. “Eu acho que James Connonly, o revolucionário irlandês, acerta quando diz que os únicos profetas são aqueles que fazem seu futuro. Então eu não estou prevendo, estou trabalhando pra isso.”
Foto: Counterfire
*John Rees (nascido em 1957) é um ativista político britânico, apresentador e escritor, membro da Stop the War Coalition e fundador da organização Counterfire, que pertenceu ao “Partido Socialista dos Trabalhadores” no Reino Unido. Pelo Islam Channel, ele é o escritor e apresentador das séries de história política Timeline e apresentador do programa Politics and Media.
Fonte: Brasil de Fato