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Vítimas do franquismo falam a um tribunal pela primeira vez

O julgamento em que a Suprema Corte da Espanha decidirá se o polêmico juiz Baltasar Garzón cometeu abuso de poder ao iniciar investigações sobre crimes cometidos durante a ditadura do general Francisco Franco (1936-1975) abriu espaço para uma série de depoimentos históricos nesta quarta-feira (1º/02).

Pela primeira vez em 75 anos, vítimas e parentes de pessoas desaparecidas ou mortas durante o regime franquista estão sendo ouvidas por um tribunal espanhol.

“Tinha seis anos na última vez que vi minha mãe”, disse Maria Martín López, de 81 anos, após entrar na sala de julgamentos apoiada por um andador. “Mataram minha mãe em 1936, com outros 27 homens e 3 mulheres", continuou a idosa, que foi arrolada como testemunha de defesa de Baltasar Garzón.

Já Maria del Pino Sosa, de 75 anos, disse que seu pai foi capturado pelo falangistas apoiadores de Franco e nunca mais teve notícias dele. “O levaram vivo e vivo o reclamamos”, disse.

Segundo o historiador Ángel Rodríguez Gallardo, que também testemunhou, havia um plano para a sistemática eliminação de opositores antes e depois da Guerra Civil Espanhola (1936).

Nos próximos dias, serão ouvidas 20 testemunhas que, em 2006, apelaram à Audiência Nacional – instância penal máxima da Justiça da Espanha – para a abertura de investigações sobre os crimes do franquismo, e que tiveram seus pedidos aceitos por Garzón.

O juiz foi suspenso de suas atividades e levado ao banco dos réus na Corte Suprema após duas organizações de extrema-direita o acusarem de violação da lei de anistia espanhola, aprovada em 1977, em meio ao processo de redemocratização do país. Garzón é conhecido mundialmente por sua atuação contra os chamados crimes contra a humanidade. Foi ele o responsável pela prisão do ditador Augusto Pinochet, em Londres em 1998, sob a acusação de tortura e assassinatos contra cidadãos espanhóis que residiam no Chile.

Defesa

Em seu depoimento de defesa, o magistrado negou ter violado a lei de anistia e afirmou aos juízes ter seguido os mesmos princípios que o guiaram no julgamento do caso Pinochet e de outros torturadores sulamericanos.

Ele disse que, no caso das investigações sobre as violações da ditadura franquista, aplicou os mesmos conceitos de direito internacional e a doutrina que a Suprema Corte de Madri, que agora o julga, estabeleceu ao condenar o ex-militar argentino Adolfo Scilingo.

Scilingo foi condenado na Espanha em 2005 a 640 anos de prisão por crimes contra a humanidade pela morte de 30 pessoas por traição, assim como por crimes de detenção ilegal e torturas cometidas no período da ditadura argentina (1976-1983).

"Não fiz uma coisa diferente ao que fiz em todos e cada um dos procedimentos que correspondiam a esta decisão processual. Fiz exatamente igual, nem mais, nem menos", reforçou Garzón.

Em 2008, ele se declarou competente para investigar o desaparecimento das vítimas na época do regime de Franco. O ditador e outros 34 chefes que dirigiram a rebelião contra o governo foram acusados de um plano de extermínio sistemático de seus oponentes e de repressão que terminou com ao menos 114.266 desaparecidos, constituindo, dessa forma, crimes contra a humanidade.

De acordo com a acusação, estes desaparecimentos ocorreram "sem vinculação com o confronto da Guerra Civil (1935-1939), durante, à margem ou depois da mesma".

Ele justificou que não escolheu atuar com base na Lei de Anistia de 1977, como questionou o juiz instrutor da causa contra Garzón, Luciano Varela, porque "os efeitos destes tipos de crimes permanecem no tempo" enquanto não aparece a vítima – é o princípio do desaparecimento continuado.

*Com informações do jornal El País e das agências Ansa e AFP.