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Conspiração no Guadalupe: “A arte de se fazer esperar, desejar”

O folhetim é um gênero literário que surgiu na 3ª fase do jornalismo — a do "jornalismo de mercadoria". Tinha uma linguagem popular e dirigia-se ao operariado, tratando de assuntos de suspense, geralmente extraídos das manchetes dos periódicos. Eram romances em capítulos e o formato foi revolucionário, abrindo espaço para a descoberta e consolidação de grandes talentos, como Honoré de Balzac.

Bairro do Guadalupe - Olinda

Conhecido na França como Feuilleiton, correspondia a um espaço do jornal na qual eram publicadas variedades, como críticas literárias, resenhas teatrais, anúncios diversos e receitas culinárias.

Em julho de 1836,  Émile de Giardin, editor do jornal francês La Presse, começa a publicar em rodapés de jornais os romances seriados que vêm a ocupar todo o espaço do folhetim. Assim o espaço encontrou sua vocação maior e a palavra “folhetim” passou a ser, principalmente, sinônimo de romance em capítulos.

O sucesso dessas histórias foi tão grande que tornou o folhetim o primeiro produto da indústria cultural nascente. Também foi o grande responsável pelo aumento das tiragens dos jornais, contribuindo para a sua modernização

Os folhetins tinham um público específico: o operariado. Como este público ainda estava imerso na cultura oral e não dominava muito bem a escrita, a linguagem era, portanto, de caráter popular, e as letras eram grandes e espaçadas.

Para atrair o público, as histórias eram normalmente tiradas das notícias do próprio jornal e envolviam assassinatos, seqüestros, estupros e outros crimes que faziam parte da rotina de vida dos operários. Como o romance folhetinesco aparece após a Revolução Industrial, numa sociedade em processo de urbanização, este deveria agir como educador, ou seja, como veículo de valores da sociedade industrial urbana. Estavam impregnados de lições de moral. As histórias eram maniqueístas e as características ideais da sociedade se concentravam nos personagens bons e as negativas, que geravam a degradação social, personagens maus.

A narrativa fragmentada em episódios, a fim de facilitar a leitura das massas, e o suspense, que possuía um "gancho" para o próximo episódio, com a função de manter a curiosidade dos leitores, são características marcantes dos romances folhetinescos. Foi o próprio Giardin quem criou a expressão do "continua no próximo capítulo", frase que fechava todas as histórias de cada edição. Foi ele também que definiu o gênero como “a arte de se fazer esperar, desejar”.


Conspiração no Guadalupe

O Vermelho resgatou essa narrativa, revolucionária na sua época — porque conseguia envolver até mesmo analfabetos no acompanhamento do enredo — e lançou há dez semanas o “Conspiração no Guadalupe”, obra de Marco Albertim que, aqui, vai para o 10º capítulo.

Vale a pena recordar a trama até aqui engendrada e passar a acompanhar os fatos até o final inesperado. Ou não.

Por Marco Albetim

Ao longo dos nove primeiros capítulos, os personagens Maújo e Gertrude seriam mais felizes, não fosse a aparição de Chica tão fogosa quanto as cintilantes luzes do Clube Estrela. Mostrou-se toda, ela, antropófaga na carnação do novo parelho. Maújo, tonto de perplexidade, flagra-a sendo domada por um orixá que é cooptado para a luta de classes. Gertrude, saqueada do macho, aborta o sêmen que dele recebera. Chica caminha sobre as águas, como uma iabá. Xisto sente-se o mais saqueado, e deserta com segredos do Partido. A rotina de Olinda, de tão monocórdica, esbulha-os dos sonhados festins revolucionários. Gertrude e Caetano, alheios á bulha do carnaval, amiúdam-se à sombra de uma palmeira. Chica, irreverente, sopra suas estatuetas como uma mãe-d’água. Sua cassação é urdida.

Acima, os traços dos nove primeiros capítulos de Conspiração no Guadalupe. No próximo, o 10º, Gertrude não é uma fênix mas descobre que lhe restara energia para empunhar a borduna de Caetano.