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Núcleo de Consciência Negra pode perder espaço na USP

A falta de diálogo e a truculenta ação da PM no campus da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, vem gerando intensas discussões e manifestações desde quando três alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) foram detidos, em 27 de outubro de 2011. Agora, o “barracão” que abriga o Núcleo de Consciência Negra (NCN) da USP é o próximo alvo. O coordenador, Leandro Salvatico conta, em entrevista, a realidade do movimento negro dentro da Cidade Universitária.

Entre assembleias tumultuadas e ocupações de prédios, feita por universitários, o ápice da crise se deu na madrugada do dia 8 de novembro de 2011, quando a PM fez a reintegração de posse da Reitoria, com tropa de choque e aparato de filme, levando presos 73 estudantes que ocupavam pacificamente o prédio em protesto contra o convênio da USP com a PM.

Dois meses após as cenas lamentáveis na universidade, Nicolas Menezes Barreto, único estudante negro que ocupava um centro de vivência no antigo prédio do Diretório Central Estudantil (DCE), foi agredido brutalmente, sem justificativa alguma, durante o fechamento do espaço estudantil que começou a ser lacrado pela reitoria desde o início do ano, sem nenhum tipo de mandado judicial.

A demolição do Núcleo de Consciência Negra também não tem mandado e nem justificativa da reitoria. O local funciona há 24 anos no campus Butantã da USP e historicamente luta pela implementação de cotas sócio-raciais como meio de reparação histórica ao povo negro brasileiro. Apesar de inúmeros pedidos, nunca receberam um espaço decente da universidade e exercem suas atividades dentro de um barracão.

“Atualmente, a entidade mantém a biblioteca Carolina Maria de Jesus, um cursinho popular pré-vestibular, um Centro de Estudo de Idiomas e organiza oficinas de teatro e de comunicação, além de diversas atividades culturais. Mas, a USP nunca nos ofereceu um espaço para nossas atividades e ainda por cima não nos contatou para informar que nosso barracão seria demolido”, explicou o coordenador do núcleo, Leandro Salvatico, em entrevista ao portal da União Nacional dos Estudantes (UNE). Confira a íntegra e entenda mais o caso que vem despertando revolta entre os membros.

UNE: Desde quando existe o Núcleo de Consciência Negra na USP? A atuação dentro da universidade é a mesma desde sua fundação?
Leandro Salvatico: O Núcleo de Consciência Negra na USP é uma entidade sem fins lucrativos localizada há 24 anos no campus Butantã da USP e historicamente luta pela implementação de Cotas Sócio-Raciais como meio de reparação histórica ao povo negro brasileiro. Nossa missão completa 25 anos em 2012.

UNE: Quais são as principais atividades desenvolvidas por vocês?
LS: Atualmente, a entidade mantém a Biblioteca Carolina Maria de Jesus, um Cursinho Popular Pré-Vestibular, um Centro de Estudo de Idiomas e organiza oficinas de Teatro e de Comunicação, além de atividades culturais, seminários e palestras sobre a história, as demandas sociais e a cultura afrobrasileira.

UNE: O NCN se encontra hoje dentro do campus Butantã, que possui 7.443.770 m², o que equivale a 1.838 campos de futebol. Por que desenvolver as atividades dentro de um “barracão”? A Universidade nunca apresentou uma alternativa para o núcleo?

LS: A USP nunca cedeu um espaço ao NCN e esse barracão onde estamos localizados é uma ocupação que resiste há mais de 2 décadas e que nunca foi legitimado oficialmente pela USP. Questionamos a USP diversas vezes sobre a concessão do uso do barracão e nossos pedidos nunca foram ouvidos.

UNE: No fim de dezembro vocês foram surpreendidos por uma tentativa de demolição do barracão. Como se deu este processo e por que isso aconteceu?
LS: Nosso barracão ficou sem fornecimento de água durante um dia e as aulas do seu Cursinho Popular Pré-Vestibular para 2ª fase da FUVEST tiveram de ser canceladas. Ninguém nos contatou para dizer que parte do barracão seria demolida e nós intervimos para que a obra fosse imediatamente paralisada. Nós somos uma entidade política que aborda uma questão muito delicada da sociedade brasileira que é o racismo e seus reflexos na universidade, que é a quase total ausência de negros nos cursos de maior demanda social.

UNE: Após este incidente, quais serão os próximos passos que o núcleo deve tomar para que não aconteça novamente?
LS: Nós estamos negociando um convênio para uso do espaço com a USP, mas a USP em nenhum momento nos ofereceu um espaço alternativo – somente diz que vai demolir o barracão e que temos que sair – mas para onde? Isso até agora ela não disse.

UNE: Podemos anexar este acontecimento aos últimos ocorridos dentro do campus, desde outubro do ano passado?
LS: Acreditamos que tudo está relacionado, desde o conflito com a polícia no final de outubro e novembro, as expulsões dos 8 estudantes da USP em dezembro de 2011, assim como a agressão policial racista da PM contra um estudante da USP em janeiro e as intervenções policias na Cracolândia e no Pinheirinho, por conta da especulação imobiliária que visa “higienizar” aquelas áreas para aumentar os seus lucros. Isso é uma política de Estado que vida criminalizar e marginalizar os movimentos sociais, enquanto estes lutam por direitos básicos, como o de organização e moradia.

UNE: Como entidade que discute a questão do racismo e acesso à Universidade, qual foi a postura do núcleo diante do último acontecimento dentro da USP, em que um jovem negro foi agredido por policiais durante o fechamento do espaço estudantil?
LS: Historicamente, o NCN sempre defendeu todo e qualquer indivíduo vítima de racismo e desta vez não foi diferente. Contatamos o Instituto Luiz Gama, que defende também o NCN na questão do espaço dentro da USP, e estamos defendo o jovem que foi agredido. Soltamos uma Nota que pode ser lida e assinada em http://emdefesadoncnusp.blogsopt.com que explícita o nosso repúdio e apresenta nossa posição sobre o acontecimento.

UNE: Existem outros casos de agressão, coação e perseguição de cunho político e sócio-racial acontecendo cotidianamente na USP?

LS: Sim. A USP foi militarizada e está passando por um processo de “caça-às-bruxas”, dado que a cada dia sabemos de uma nova notícia de expulsão de estudantes por conta de atuação política, agressão, coação e perseguição policial, abuso de autoridade, dentre outros acontecimentos que não omitidos pela grande mídia (que nós sabemos quem financia). Exemplo da omissão da mídia é o caso recente de uma estudante da USP que foi estuprada por um Policial Militar.

UNE: Problemas na relação entre reitoria e alunos, funcionários e professores sempre foram comuns dentro das universidades, não é exclusivamente da USP nem de nenhuma administração. A novidade está no conflito ser tão extenso e profundo que gere a discussão, não só dentro da universidade, mas fora dela, fazendo com que temas como o papel da polícia e liberdade de expressão na universidade sejam repensados. Como vocês avaliam a presença da PM e a questão da autonomia universitária no campus?

LS: Nenhuma universidade no mundo permite a entrada da PM dentro de seus campus para a realização de patrulhamento ostensivo. Essa é uma vitória que a academia teve sobre os órgãos repressores da Ditadura Militar no Brasil e em outros países do mundo e o que está acontecendo na USP é um retrocesso. A PM se orgulha do Golpe Militar de 1964, inclusive a chama de “Revolução de 64″, enquanto isso o movimento estudantil relembra as inúmeras mortes e os incontáveis desaparecimentos e tortura de seus militantes. O diálogo da PM é o do cassetete e da botina, isto é incompatível com um ambiente de pensamento livre como o da universidade e o resultado não poderia ser outro: o confronto. A saída para tudo isso é a saída da PM do campus. A violência dentro do campus sempre foi muito menor do que fora dele, onde a PM sempre esteve presente, massacrando os negros e a classe trabalhadora.

UNE: Embora todos os acontecimentos indiquem a existência de problemas antigos, muitos creditam a atual situação da USP à personalidade do reitor João Grandino Rodas. Você concorda com essa afirmativa?
LS: Não. O Reitor João Grandino Rodas é apenas uma peça-chave no tabuleiro da USP, que conserva um regimento disciplinar decretado em 1972 e que prevê a pena de “Eliminação” (isso mesmo – nunca mais a pessoa poderá ter qualquer vínculo com a instituição) para aqueles que: fixarem cartazes em locais não autorizados; realizar ato de caráter político-religioso; ou atentar contra a moral e os bons costumes. Isto é ridículo, mas é a realidade. A luta na USP não é contra a pessoa do Rodas, mas contra a estrutura de poder da USP, que dá poderes quase ditatoriais ao Reitor e às Pró-Reitorias, e o resultado disso foi visto (parcialmente) em 2011 e (o restante da história) será vista também em 2012.

Fonte: UNE