A AIDS E A VULNERABILIDADE

Ativista de movimentos sociais de mulheres e da saúde, Joana Darc faz uma análise sobre os preconceitos que envolvem a AIDS, sua influência sobre a vida dos portadores do vírus e como deve ser o tratamento por parte dos profissionais que os atendem, neste primeiro artigo da série da 2ª Conferência do PCdoB sobre a Questão da Mulher.

A AIDS E A VULNERABILIDADE 
Joana Darc Leite*
A percepção da complexidade do sujeito acometido por uma doença o leva, e a todos que estão ao seu redor, a uma reflexão do porquê de seu adoecimento, principalmente no caso de doenças que têm início em situações difíceis, como no caso da AIDS, seja pelos primeiros segmentos da sociedade a serem contaminados, como homossexuais, prostitutas e usuários de drogas, seja pela sua forma de contaminação, por sua rápida propagação e pela alta taxa de letalidade, que causam grandes impactos no modo viver dos indivíduos. Por ser transmitida via sexual, o que interfere na sexualidade, e pela forma como se deu o início da epidemia e os segmentos atingidos, símbolos do preconceito e da marginalidade, é que a AIDS ainda hoje é considerada uma doença da “moralidade”.

Apesar dos avanços, com a redução considerável na mortalidade por AIDS e uma melhora na qualidade de vida das pessoas, o estigma da moralidade e letalidade ainda é bastante presente. A síndrome foi tida inicialmente como a peste gay, pois atingia os homossexuais masculinos “desviantes de condutas” e depois grupos de riscos como prostitutas e “drogaditos”, que também estão fora dos padrões das sociedades judaico-cristãs. Tanto a AIDS como a sífilis são doenças de transmissão sexual, e as duas estão vinculadas ao sentido da moralidade: no caso da sífilis, a mulher pecadora, que é a prostituta; e no da AIDS os homossexuais masculinos. Esses estigmas e preconceitos têm implicações que vão desde o isolamento e a baixa autoestima até o abandono e a rejeição social. Com graves conseqüências físicas e psicológicas, a AIDS é também um fenômeno de natureza social acompanhado de processos de segregação baseados nos estigmas socialmente construídos e ligados às representações da doença.

Quando falamos da morte, cada sociedade reage de forma diferente. A sociedade ocidental tem grande dificuldade em lidar com este tema, não aceitando a nossa fragilidade diante da inevitabilidade de morte. No início da epidemia, receber o resultado da soropositividade era receber sentença de morte. Ainda hoje, apesar dos avanços e da AIDS já ter adquirido o status de doença crônico-degenerativa, ela ainda é carregada da simbologia da letalidade.

Muitos são os desafios que enfrentamos quando lidamos com a defesa da vida. Estar diante da doença – “A doença põe em evidência a fragilidade humana e, no caso das doenças graves e letais, a questão da finitude” (Georgia Sibele) – esse desafio é muito maior. Quando lidamos com o estigma de uma doença como a AIDS, que está associada a preconceitos e tabus desde seu surgimento, o portador de HIV deve ser acolhido nos serviços com suas dores, suas alegrias, suas necessidades, suas diferenças, seus modos de viver, sentir e estar na vida. Os profissionais que o atendem devem se despir de preconceitos e valores preexistentes, principalmente sobre sexualidade e direitos reprodutivos, possibilitar a construção de uma relação de confiança e estabelecer vínculos.

*Joana Darc Leite é Assistente Social