Sem categoria

Flávio Aguiar: Alemanha tem novo presidente à vista

Em seu pronunciamento logo depois da renúncia do presidente que apoiara, Christian Wulff, acusado de corrupção e troca de favores entre amigos, e passível de investigação pelo Ministério Público, Ângela Merkel disse que pensava (ou aceitava) que o novo presidente fosse alguém consensual, e que assim iria se reunir, primeiro, com os partidos de sua coalizão.

Por Flávio Aguiar*

Que seriam ospartidos: União Democrata Cristã (CDU), a co-irmã bávara, União Social Cristã (CSU), e o Partido Democrático Liberal (FDP), e depois com os da oposição, o Partido Social Democrata (SPD) e o Partido Verde. Omitiu propositadamente a Linke, a Esquerda, partido formado por dissidentes do SPD e remanescentes da antiga Alemanha Oriental, sempre “acusado” de ser o partido dos comunistas da DDR.

Omitiu propositadamente a Linke, a Esquerda, partido formado por dissidentes do SPD e remanescentes da antiga Alemanha Oriental, sempre “acusado” de ser o partido dos comunistas da DDR.

Na verdade, não é bem assim. Existem remanescentes do comunismo oriental na Linke, sim, mas há bem mais gente também, como esses dissidentes do SPD depois que este, nos anos 90 do século passado, deu sua guinada “neo-liberal”. Também há os insatisfeitos com o progressivo “bio-capitalismo” dos Verdes, que, na prática, assim como o SPD, tornaram-se aliados da Otan e alinhados automáticos das potências militares ocidentais, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França.

De todo modo, o gesto deselegante de Merkel (pois, como declarou Gesine Lötzsch, deputada porta-voz da Linke, a chanceler excluía da discussão “consensual” os representantes de pelo menos 5 milhões de alemães, que fazem parte do contingente constante que vota no seu partido) visava, na verdade, pavimentar o caminho para o candidato seu preferido e do seu partido, a CDU, além da CSU: Klaus Töpfer, um militante da CDU que se projetou na ONU e na Comissão de Ética para Energia Atômica na Alemanha.

O SPD e os Verdes voltaram a apresentar o nome de seu candidato anterior, que disputara contra Wulff: Joachim Gauck, um pastor de 72 anos, ferrenho anti-comunista, conhecido por suas posições duras contra a esquerda (também contra a extrema-direita, é verdade). Gauck tinha vários pontos de contato com Merkel: como ela, vinha da Alemanha Oriental. Como ela, vinha de uma família já marcada pela oposição ao regime comunista. Seu pai fora preso e levado para um campo de concentração soviético durante 03 anos. Só foi solto (é verdade também que, como em muitos casos, as acusações contra ele nunca foram cabalmente provadas) depois que o então chanceler Konrad Adenauer visitou Moscou, na seqüência da morte de Stalin.

Por que Merkel preferira Wulff a Gauck? Provavelmente porque Wulff era mais manipulável, mais frágil pessoalmente; Gauck lembra aquele monólito do filme “2001: uma odisséia no espaço”. Bom, o problema é que Wulff não era manipulável apenas por Merkel. Também foi, ao que parece, por seus amigos, que adulavam seu gosto por luxo e bem-estar, bem o oposto do estilo durão, weberiano e protestante de Gauck, o homem que durante quase dez anos foi o encarregado de fazer a devassa nos arquivos da Stasi, a polícia secreta e política da Alemanha Oriental.

Assim, mesmo com a exclusão da Linke, as tratativas “consensuais” começaram, no fim de semana, com atritos e declarações agressivas. Porta-vozes da CDU e da CSU disseram, em tom altivo, que nenhum presidente seria indicado por “graça” para com a oposição. Entretanto, a novidade explodiu no domingo: o FDP, que está à míngua em matéria de eleitores, arriscado de ficar de fora do Parlamento nas eleições de 2013 por não alcançar a cláusula de barreira de 5% dos votos, aparentemente resolveu tentar captar a simpatia dos eventuais “gauckianos” dispersos pela Alemanha, e disse que apoiava o candidato preferido do SPD e dos Verdes.

A “virada” do FDP, descrita pela chanceler como uma “quebra de confiança”, colocou mais uma trinca na já combalida coalizão de governo, para satisfação pelo menos da cúpula do SPD, que almeja tanto uma alternativa de governo com os Verdes quanto repetir o que aqui se chama de “Grande Coalizão”, uma união entre ele e a CDU. Essa virada foi eficaz: quem elege o presidente é um Colégio (a Assembléia Federal) formado pelos deputados nacionais e mais representantes dos estados.

A vantagem de Wulff fora pequena, e ele foi eleito apenas em terceiro escrutínio, quando é necessária uma maioria simples de votos, pois nos dois primeiros, quando se exige maioria absoluta, ele não a alcançara, o que foi considerado uma derrota para Merkel. Com os votos do FDP, do SPD e dos Verdes, Gauck teria maioria no Colégio Eleitoral, e passaria assim por cima da CDU e da CSU. Ambos os partidos tiveram de engolir o pastor, e aceita-lo com fartos elogios.

Assim, a feitiçaria voltou-se contra a feiticeira. Ao descartar a Linke, que seria contra Gauck, como foi na votação anterior, por ojeriza a seu antiesquerdismo, Merkel pensava pavimentar o caminho para seu preferido, Töpfer. Na verdade, abriu as portas para Gauck, e mais uma derrota em seu passivo.

Coisas da vida.

*Flávio Aguiar é jornalista.

Fonte: Carta Maior