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Grécia: país hipotecado transformado em protetorado

Os ministros das Finanças da Zona Euro anunciaram aquilo que dizem ser ”um acordo” para concretizar o segundo resgate à Grécia supostamente para reduzir a dívida soberana deste país de mais de 160% do PIB para 120% até 2020 e permitir, para já, que Atenas pague 14 mil milhões de Euros, até ao próximo dia 12 de março, para não ser considerada incumpridora.

Por Miguel Portas*

O “acordo”, que inclui um perdão calculado em 53% da dívida privada, contém ainda uma série de zonas indefinidas, designadamente a participação do FMI, que segundo a diretora geral da organização será decidida apenas na segunda semana de março. Toda a aplicação do processo será feita através de um governo real de agentes da troika em permanência na capital. Só não se trata de uma tutela porque, segundo o ministro francês das Finanças, “essa palavra não existe no nosso vocabulário”.

De acordo com os cálculos divulgados no âmbito da reunião dos ministros das Finanças da Zona Euro realizada na terça-feira (14) em Bruxelas, o chamado plano “de salvamento” está avaliado em 237 mil milhões de Euros: 130 mil milhões do segundo resgate (a somar aos 110 mil milhões do primeiro) e 107 mil milhões decorrentes do “perdão voluntário” da dívida privada. A comissão grega de credores privados queixa-se, no entanto, de que esse “perdão” não é de 53% mas sim de 70%.

No plano social, este processo inclui as novas medidas de austeridade recentemente anunciadas e que irão incidir principalmente sobre cortes radicais no salário mínimo e em pensões sociais. Jean-Claude Juncker, presidente da Zona Euro, afirmou que o acordo é “de grande amplitude” e deverá permitir “um novo começo” a continuação na Grécia no Euro, fato que “analistas” citados imediatamente pela imprensa internacional consideram pouco provável.
Os dois partidos que sustentam no Parlamento o governo criado em Bruxelas – os socialistas do PASOK e os direitistas da Nova Democracia – foram obrigados a assinar o acordo e a comprometer-se com a sua aplicação a seguir às eleições gerais previstas para abril.

O comissário europeu das Finanças, Olli Rehn, explicou que o novo regime político grego será aplicado “sob estrita vigilância” estrangeira através de “uma presença permanente da missão da Comissão Europeia” em Atenas. Esta atuará como governo e tratará também de “modernizar” o aparelho de Estado, isto é, aplicará os despedimentos previstos e outros que venham a ser decididos em Bruxelas e decidirá igualmente a globalidade da verba que venha a ser necessária.

Os ministros das Finanças informaram que “o setor público (governado pela troika) decidirá o montante preciso da assistência financeira até ao início de março”, assunto e datas que significam importantes incertezas pendentes e a continuação das discussões. O tema entrará na agenda da cimeira do Eurogrupo no início de março, embora seja abordado primeiramente ao nível dos ministros das Finanças.

A participação do setor privado no processo será feita também retirando qualquer tipo de poder às autoridades gregas. As obrigações da dívida grega passam a ser de direito inglês, pelo que um conflito entre o Estado grego e os credores privados será, a partir de agora, decidido no Luxemburgo, podendo os segundos apropriar-se de bens públicos gregos em caso problemas de amortizações. A Grécia tornou-se um país hipotecado.

Perante a evidência de que a Grécia se transformou num protetorado efetivamente alemão dentro da União Europeia, o ministro francês das Finanças, François Baroin, rejeitou que se trate de “uma tutela”. “Essa é uma palavra que não faz parte do nosso vocabulário”, disse. “Um controle, uma monitorização, um acompanhamento, conselhos, uma fiscalização, a continuação da peritagem da troika sim, mas tutela de modo nenhum”, explicou.

O problema da origem do dinheiro não está resolvido, analisando as declarações proferidas depois da reunião, uma vez que os países que o impuseram, designadamente a Alemanha e o Luxemburgo, não querem participar e a contribuição do FMI é considerada “insuficiente”. Um eventual aumento desta será decidido apenas na segunda semana de Março, anunciou a diretora-geral Christine Lagarde, isto é, a escassos dias de Atenas ser obrigada a pagar 14 mil milhões de Euros para não ser considerada incumpridora.

Jornais europeus afirmam que não é a primeira vez que a Grécia vive sob tutela estrangeira desde que o Estado moderno foi fundado, em 1830. Esteve na sombra de grandes potências como a França, a Inglaterra e a Rússia durante grande parte do século XIX, e depois sob administração efetiva da Inglaterra e dos Estados Unidos, com representantes executivos presentes nos ministérios.

Os mesmos jornais não recordam que já bem dentro do século XX a Grécia viveu sob administração e ocupação alemã, então durante o regime do Segundo Reich, situação de que a atual se aproxima mais devido aos interesses dominantes alemães sobre a estrutura montada supostamente para combater a dívida soberana e que, segundo os antecedentes já testados, só tem contribuído para a agravar: de 112 para cerca de 170 por cento do PIB de 2010 até agora.

*Miguel Portas é jornalista e economista pela Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa.

Fonte: Esquerda.net