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Juan Gelman: Jornalistas? Que jornalistas?

O tenente coronel Daniel L. Davis tem rigor moral: depois de um giro de 15 mil quilômetros por muitas províncias do Afeganistão que durou 12 meses, publicou no Armed Forces Journal – único meio estadunidense de informação independente sobre questões militares – um artigo cuja primeira conclusão é taxativa.

Por Juan Gelman

“O que vi não concorda com as róseas declarações oficiais de chefes das forças armadas dos Estados Unidos sobre as condições reinantes no terreno” (Ver aqui).

O texto foi divulgado on line e se intitula “Verdades, mentiras e Afeganistão. De como os líderes militares nos decepcionaram”. Davis detalhou o conceito em uma entrevista concedida ao New York Times (Ver aqui) e em um longo documento publicado em Rolling Stone (Ver aqui).

O tenente coronel entrevistou 250 efetivos próprios, de soldados a comandantes de divisão, membros do exército e polícia afegãos, cidadãos e camponeses. Os altos comandos declaram diante do Congresso que se está ganhando a guerra graças ao aumento do número de tropas e a que o treinamento de forças locais avança com solidez, mas Davis afirma: “Comprovei a ausência de êxitos virtualmente em todos os níveis, os soldados nacionais negociam com os talibãs… estes dominam boa parte do território”. E pergunta: “Quantos estadunidenses mais devem morrer em nome de uma missão sem êxito e depois de mais de sete anos de considerações otimistas de nossos altos comandos no Afeganistão? Ninguém espera que nossos líderes tenham sempre um bom plano, mas o que esperamos – e os homens que lutam e morrem o merecem – é que nos digam a verdade sobre o que está ocorrendo”.

Davis toca em um ponto central: analisa por que esse triunfalismo passa desapercebido para a população. “Há diversas razões – diz-, mas talvez nenhuma seja mais substancial que o papel desempenhado pelos meios de comunicação mais importantes neste país… tem sido uma deficiência de todos eles em qualquer categoria: redes de noticias, noticiarios a cabo, revistas e jornais.” Não é uma casualidade. Aos jornalistas que não seguem a linha do Pentágono é negado o acesso à informação. Para obtê-la devem entender-se com os militares e isso tem um preço, diz Davis, a integração dos meios de comunicação com a máquina da guerra psicológica do Pentágono, não só voltada para o exterior, mas sobretudo, à opinião pública estadunidense.

A antiga encarregada de relações públicas do Pentágono, Victoria Clark, dirigiu no início de 2002 um programa de analistas militares de pronta execução: contratou 75 oficiais aposentados que apareciam nos noticiários das rádios e canais de televisão ou escreviam colunas de opinião para ir criando um clima favorável à guerra com o Iraque que a Casa Branca preparava (www.sourcewatch.com, 8/3/11). O Pentágono dava a linha em reuniões semanais e os meios de comunicação os apresentavam como especialistas e verdadeiros jornalistas, dando-lhes espaço para a propaganda bélica como se fossem observadores objetivos.

O programa continuou depois da ocupação do Iraque “para fomentar lealdades ideológicas e militares e também uma dinâmica financeira poderosa: a maioria dos analistas tem laços com as empresas contratantes envolvidas nas políticas de guerra que eles devem comentar”. O programa cessou quando o jornalista David Barstow investigou o assunto e o divulgou (Ver aqui).

“Tudo isto obriga a fazer a pergunta: que tipo de objetividade e análise honesta o público estadunidense recebeu por parte dos meios de comunicação mais importantes durante esse período?” – assinala Davis e cita um manual do exército sobre as chamadas “operações informativas” do Pentágono (Ver aqui) no qual se indica: “A importância de dominar o espectro da informação explica o objetivo de converter (essas operações) em uma competição militar central, no mesmo nível das operações por ar, mar e terra e as operações especiais”.

Estão crescendo as vozes que pedem nos meios de comunicação uma intervenção militar no Irã. Um colunista do Wall Street Journal postula que um presidente “capacitado para o cargo” deve “ordenar às forças armadas dos EUA que ataquem e destruam as instalações do programa nuclear iraniano” (Ver aqui), outro afirma na revista Foreign Affairs que “chegou a hora de atacar o Irã” (Ver aqui) e tudo tem o cheiro da proximidade de uma arremetida militar contra Teerã, como foi o caso do Iraque.

Parece que o Pentágono “está educando” com certo êxito a opinião pública local: uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center este mês revela que 58 por cento dos estadunidenses estão de acordo em terminar com as pretensões nucleares iranianas, inclusive mediante uma ação militar (Ver aqui). Entretanto, os 16 organismos de Inteligência dos EUA avaliaram em 2007, e o reiteraram em 2011, que o programa nuclear do Irã não possui até o momento dimensões militares.

Fonte: Cubadebate
Traduzido pela Redação do Vermelho