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Vida e destino dos desenhos animados russos

Os desenhos animados russos comemoram cem anos de existência: a efeméride foi assinalada no Festival do Desenho Animado, que terminou em 4 de Março na cidade medieval russa de Suzdal.

Costuma-se relacionar o nascimento do desenho animado russo com o aparecimento em 1912 do filme de fantoches sobre a vida dos besouros – “A guerra dos Bigodudos contra os Chifrudos”. Mas recentemente descobriu-se que o primeiro desenho animado saiu na Rússia em 1906 e era da autoria de um… coreógrafo do teatro Mariinski de São Petersburgo! Seja como for, estes cem anos, segundo a opinião unânime, foram um século glorioso, que produziu dezenas de obras tornadas clássicos mundiais.

A segunda parte deste “século” coincidiu no entanto com problemas graves: a União Soviética se desintegrou, e acabou o apoio maciço do Estado à produção de desenhos animados, os principais estúdios de animação do país (Soyuzmultfilm) começaram a se deteriorar, diretores de desenho animado passaram a trabalhar cada vez mais por conta própria, assumindo todos os riscos e toda a responsabilidade. E, naturalmente, os cinemas russos foram inundados por fitas de desenho animado estrangeiras. Então criou-se a sensação de o desenho animado russo teria perdido definitivamente o seu público.

Pensando nisso, Igor Kovalev, membro do júri do Festival de Suzdal, nota: "Sempre me perguntam por que razão o desenho animado russo não progride. Não é verdade: progride sim, ainda que muito devagar". Ele continua:

"No estrangeiro, por exemplo na América, tem muito mais produção. Séries da TV, filmes de longa-metragem – é uma indústria inteira. Outra questão é porque aqui não se faz séries, porque não filmam em longa-metragem – tudo isso tem a ver com o dinheiro, com a política cultural, etc. É por isso que as nossas crianças, lamentavelmente, veem mais desenho animado estrangeiro que o nosso".

Mas quando aparecem séries de desenho animado russos tão tocantes, engraçadas e interessantes, como, por exemplo, os Smechariki, logo se tornam favoritas do público infantil. Anatoli Prokhorov, diretor artístico do programa Smechariki, está convencido: "Não se deve falar no renascimento do desenho animado soviético, deve-se falar na indústria de desenho animado. Temos a nossa arte, mas nunca tivemos indústria, e temos que criá-la".

Mas os criadores do lendário desenho animado soviéticonão aceitam categoricamente tal ponto de vista. Yuri Norshtein, cuja obra Ouricinho no Nevoeiro foi aclamada como "o melhor filme de todos os tempos e todos os povos", está cético em relação à ideia de pôr a arte em produção em série. Relativamente ao desenho animado americano, Yuri Norshtein diz:

"Os filmes americanos são profissionalmente muito bem feitos e, do ponto de vista tecnológico, são praticamente impecáveis. Mas, a meu ver, algo se perde quando a atenção é desviada para o lado técnico".

As posições artísticas dos criadores de desenhos animados russos são diferentes, mas todos eles concordam na questão financeira: o desenho animado na Rússia requer recursos suficientes. Por exemplo, o orçamento mais económico e modesto dum desenho animado de longa-metragem em 3D chega aos 5-6 milhões de dólares. Timur Bekmambetov, um dos diretores russos com mais êxito comercial, que trabalha em Hollywood, está convencido que hoje em dia na Rússia isto é completamente irreal:

"É que lançar o processo de produção do desenho animado 3D na Rússia é uma tarefa séria, que devorará todos os recursos disponíveis. Se se lança um filme, não haverá especialistas para outros".

As esperanças devem-se ao fato de que este ano o cinema de animação ter recebido um orçamento especial sem precedentes – um bilhão e meio de rublos. Os diretores esperam que este seja dividido de forma igual entre o tal chamado desenho animado para o público e de autor. O Festival de Suzdal mostrou que os dois contam com o seu espectador fiel.

O Festival de Suzdal, além das outras coisas, reuniu a “Centena Dourada” de jóias do desenho animado russo destes cem anos. A coleção é coroada pelo filme do mestre do desenho animado soviético Eduard Nazarov “Era Uma Vez um Cachorro”, que tem feito o público chorar a rir nos últimos 30 anos.

Fonte: A Voz da Rússia