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EUA: Uma eleição marcada por descrença e desinteresse

Em 2008, quando os norte-americanos foram às urnas escolher seu presidente, o clima era de esperança. Em crise, o país do apartheid e da guerra ao terror elegeu um democrata negro, filho de imigrante e descendente de muçulmano para simbolizar seu desejo de mudança. Hoje, quatro anos depois, o cenário é bem distinto. As expectativas não foram atendidas. Como reflexo, há indícios de que as eleições presidenciais deste ano devem ser marcadas pela descrença e pelo desinteresse.

Por Joana Rozowykwiat

“Esse desapontamento é um dos grandes adversários do (presidente Barack) Obama, um adversário até maior que o Partido Republicano”, afirma a professora de Relações Internacionais da Unifesp, Cristina Pecequilo, ao Vermelho. Num momento em que os republicanos realizam prévias para a escolha do seu candidato, ela avalia que a falta de entusiasmo não atinge apenas o eleitorado do presidente, que tenta a reeleição.

Segundo Cristina, nem Mitt Romney nem Rick Santorum – que polarizam a disputa para ver quem enfrentará Obama – conseguiram mobilizar a base do partido, ainda muito dividida. Sem uma agenda propositiva e que seja alternativa ao atual governo, o debate tem sido desviado para valores conservadores e religiosos.

Mais interessados nos seus problemas reais agravados pela crise, os norte-americanos não se sentiriam atraídos por este tipo de discurso. Nesse sentido, Cristina analisa que, apesar de Romney aparecer como favorito no embate, a situação ainda não está consolidada. A Convenção Nacional do partido, que definirá o adversário de Obama, ocorrerá no final de agosto. Já as eleições norte-americanas estão marcadas para 6 de novembro.

Para a professora, passadas as prévias, o debate deve centrar-se na economia e aproximar-se mais do eleitor. Na entrevista que o Vermelho reproduz abaixo, ela fala sobre este cenário eleitoral, o mandato Obama e a política de relações internacionais dos Estados Unidos. De acordo com Cristina, apesar de haver mudanças táticas no tratamento dado a outros países pelos norte-americanos, "não vai mudar o fato de que eles são a potência hegemônica e vão agir como tal".

Portal Vermelho: A disputa no partido Republicano parece estar afunilando em torno de duas candidaturas. O que a senhora pode dizer sobre esses dois nomes?
Cristina Pecequilo: Na verdade, hoje, como você mesma mencionou, a gente tem uma corrida presidencial republicana que polarizou entre Mitt Romney e Rick Santorum. Embora Romney possua vantagem numérica sobre Santorum – em termos de contagem de delegados -, o impacto da agenda conservadora e religiosa deste outro candidato tem levado Romney um pouco mais à direita.

Isso demonstra que a base do Partido Republicano não se encontra de fato motivada para votar em Romney durante as primárias. É algo que revela que nenhum dos dois candidatos – nem o mais moderado (Romney), nem o mais radical (Santorum) – , têm um apoio real do partido, que está bastante dividido.

Portal Vermelho: O que cada um deles representa e como se diferenciam de Obama?
CP: Romney seria menos conservador, mas o que a gente observa é que Santorum – justamente para se diferenciar do Romney e para buscar o eleitorado mais religioso e tradicionalista – está com um discurso que poderíamos caracterizar como ultraconservador.

Ele não tem planos e projetos grandiosos para os Estados Unidos, tem agendas específicas, em termos de valores, de religião. Esse é o perfil dele: um candidato que busca a polarização para se diferenciar do Romney – que seria mais moderado -, mas mesmo assim anda com um pé mais nesses valores tradicionais que o próprio Obama.

Portal Vermelho: Mitt Romney aparece como favorito nas prévias republicanas. Esse cenário se consolidará?
CP: Acho que numericamente não podemos fechar a vitória dele ainda. Está bastante claro que a candidatura dele é razoavelmente frágil nesses estados que estão mais à direita no espectro político norte-americano. Essa base republicana, neoconservadora, religiosa e tradicionalista tem dado muitos votos ao Santorum. Então, ao mesmo tempo em que ele (Romney) está na frente, não está em situação confortável. Vamos esperar para ver se Romney realmente consolida essa liderança sem ter que fazer muitas concessões à direita fundamentalista lá.

Portal Vermelho: A questão do Irã tem estado em pauta nessa fase da campanha. É um tema que continuará ganhando importância na disputa? A quem favorece este debate?
CP: Acho que sim, mas não é o que vai decidir o voto do eleitor em novembro. E acho que também não é o que está decidindo o voto do eleitor agora. Mas você precisa encontrar um inimigo, ter uma postura de força. Agora não se fala mais em terrorismo, em 11 de Setembro com tanta freqüência. Mas você precisa achar uma válvula de escape.

E hoje o Irã surge como o inimigo ideal e que faz um contraponto ao Obama, que tem sido pintado pelos republicanos como um candidato fraco para proteger os Estados Unidos do Irã. Então faz parte do jogo político. Mas, para o eleitorado em geral, o que vai definir o voto é a questão econômica.

Portal Vermelho: Pois é. Em um momento em que a economia preocupa tanto o mundo, o debate dos republicanos tem estado focado muito na religião. Não é um contrassenso?
CP: Exato. É um contrassenso, mas ao mesmo tempo é reflexo da falta de uma agenda programática do partido. Então como você não tem alternativas a oferecer ao governo Obama, nem alternativas reais a oferecer ao próprio eleitorado nas questões que realmente são cruciais, o que você faz? Começa a desviar o assunto para temas secundários. E isso, para o eleitor médio em novembro, não é muito atraente, porque ele está preocupado com emprego, com hipoteca, dívida pública, plano de saúde.

O candidato que tem tentado falar um pouco mais disso, no lado republicano, é o Romney. Mas como os outros candidatos – principalmente Santorum – só focam na questão religiosa, porque simplesmente não têm agenda, ele tem que dar uma resposta a isso também e termina que isso (a questão econômica) fica em segundo plano na campanha dele, nesse momento de disputa interna.

Portal Vermelho: E, quando começar a disputa entre democratas e republicanos, quais devem ser os grandes temas em debate?
CP: Acho que teria que prevalecer a economia – caso os republicanos desejem ter alguma chance de ganhar -, e a partir de um prisma não negativo. Ou seja, não só criticando o Obama. Eles têm que oferecer alternativas. Se eles não fizerem isso, não têm como ganhar eleição, porque o eleitorado vai acabar indo pelo mal menor, que seria Obama. (O país) Não está tão bem, mas também não está tão ruim quanto em 2008. Aí é uma escolha que na verdade é pelo menos pior.

Portal Vermelho: Em geral, o candidato que está no poder já sai com uma certa vantagem. A senhora acredita que Obama está hoje em uma situação confortável?
CP: Sim. A popularidade do Obama até se recuperou um pouco nos últimos meses, por conta da própria aparência de recuperação econômica. Existem alguns sinais positivos, de aumento de confiança do consumidor, e ele tem capitalizado isso. Então, pelo menos na (disputa) presidencial, ele está com uma certa vantagem. Em termos de eleições para Senado e Câmara, republicanos e democratas estão, literalmente, empatados.

Portal Vermelho: Que dificuldades os candidatos enfrentarão? Qual o ponto crítico para republicanos e democratas?
CP: O ponto crítico é realmente a economia. E o fato de que, a partir da crise, você vai ter que motivar um eleitorado que está razoavelmente descrente e desinteressado em votar em novembro.

Quando as pessoas foram votar em 2008, elas foram cheias de esperança. Votaram em Obama pela personagem que ele representava, pelo discurso de mudança. E, esse ano, o que a gente vê são pessoas preocupadas mais com o seu dia a dia. E descrentes daquele discurso fácil que Obama teve em 2008.

Então os dois partidos têm o desafio de levar o eleitor às urnas. Porque senão a gente pode ter um baixo comparecimento, porque as pessoas estão mais preocupadas com o mundo real que com a discussão, de repente, sobre valores religiosos, ou o próprio Irã, por exemplo. O eleitorado de 2012 vai ter que ser chamado a votar com mais intensidade.

Portal Vermelho: A senhora avalia que a crise e o movimento Occupy Wall Street vão ter influência naquilo que os candidatos propõem? Quer dizer, houve uma reflexão sobre o que ocorreu que possa levar a algum tipo de mudança?
CP: Acho que não. Occupy Wall Street é um movimento importante, mas ao mesmo tempo é um movimento que, como o próprio Partido do Chá (Tea Party), é restrito a alguns grupos e não chega a atingir todo o eleitorado médio norte-americano, aquele eleitorado trabalhador, operário, que decide eleição nos estados que têm mais dificuldades – de repente, um estado produtor de carros, um estado industrial que perdeu muito espaço com a globalização. Estes movimentos têm ressonância na campanha, mas não podem ser o direcionador. São relevantes, mas, em minha opinião, não são definidores.

Portal Vermelho: A senhora mencionou que em 2008 as pessoas depositaram suas esperanças em Obama. E agora qual a sua avaliação sobre o mandato do atual presidente?
CP: Acho que é um mandato que sofre do mesmo problema que eles apontam tanto na América Latina. Foi um mandato que se iniciou num tom populista – como eles gostam de criticar na América Latina -, com muitas promessas, um candidato carismático, mas que, no geral, ficou no meio do caminho.

Não atinge plenamente os objetivos. Por exemplo: a recuperação econômica foi parcial; o Sistema de Saúde Universal para os americanos (Obama) não conseguiu implementar; o fechamento de Guantânamo também ficou no meio do caminho.

Então não é um mandato totalmente ruim, se formos considerar as circunstâncias nas quais ele assumiu. Você tinha duas guerras, perseguição ao Bin Laden em andamento, um país totalmente em crise e, no fim, melhorou um pouco. Só que ele tem o ônus das promessas que fez.

Muitos eleitores que foram votar em 2008, quando são entrevistados, usam a palavra desapontamento. “Por que não mudou tanto quanto ele prometeu?” Esse desapontamento é um dos grandes adversários do Obama, até um adversário maior que o partido republicano.

Portal Vermelho: Obama assumiu propondo uma mudança, um recomeço nas relações internacionais dos Estados Unidos. A senhora vê que houve de fato uma ruptura nesse área?
CP: Acho que sim. É uma alteração tática. Os Estados Unidos, por serem a potência hegemônica, vão ter limites bem claros naquilo que eles vão fazer ou deixar de fazer.
Ele (Obama) encerrou duas guerras – no Iraque vai encerrar e, no Afeganistão, será em 2014 – não essencialmente porque ganhou, mas porque eram muito custosas política e economicamente.

Em compensação foi lá e bombardeou a Líbia. A Sìria, por outro lado… Né? Então você muda o comportamento tático, você tem um outro discurso… É muito mais fácil você lidar com o governo Obama do que era com o governo Bush, mas não vai mudar o fato de que eles são a potência hegemônica e vão agir como tal.

A gente tinha esperança de que fosse mudar um pouco mais, dar um pouco mais de espaço para os países emergentes, para resolver a própria crise dele (Obama), mas é um limite da hegemonia. O objetivo da hegemonia é manter e sustentar poder. Então ela vai fazer aquilo que tem que fazer, seja (o presidente) republicano ou democrata, para manter esse diferencial de poder.

Portal Vermelho: As eleições dos Estados Unidos sempre são repletas de questionamentos e acusações fraudes. Alguma coisa mudou este ano?
CP: Não mudou. Infelizmente é um sistema que é bastante arcaico e tem estados em que ele simplesmente torna muito difícil para as minorias sociais votarem, para distritos negros, por exemplo. Então você tem uma série de acusações que não são só de fraudes, mas de exclusão do eleitor.

A gente tem que lembrar que o eleitor lá está indo votar em um dia de trabalho. Não é feriado. Então, se um eleitor trabalhador chega para votar e há uma fila de três horas, ele tem que voltar para o trabalho. Ele vai embora. Então é um sistema que continua sendo muito arcaico e muito permeável à fraude e à exclusão.

Portal Vermelho: Para a América Latina, qual o melhor cenário que deve sair das urnas?
CP: Acho que nenhum dos dois muda nada. Seja republicano ou democrata, a tendência é a continuidade. A América Latina não é prioridade. Eles têm dois focos, que são México e Colômbia, por conta da briga antidrogas. E aí, num outro patamar, há as relações Brasil-Estados Unidos, que têm observado um adensamento, têm se tornado mais complexas nos últimos anos.

Mas afora esses três países, a gente dificilmente – seja republicano ou democrata – vai pensar em Alca, nova área de comércio, algo assim. Isso não está na mesa deles, é muito problemático para eles. E para nós é isso ótimo.