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Renata Mielli: Folha na TV tenta mostrar que faz jornalismo

Domingo, 10hs da manhã. Tomo o café da manhã lendo a Folha de S. Paulo – o impresso. Nesta edição, o destaque é para a estreia da Folha na TV. Um espaço alugado, emprestado, compartilhado no horário mais nobre do domingo na programação da TV Cultura – emissora pública do Estado de São Paulo. Ou, infelizmente, não tão pública.

Por Renata Mielli, em Janela sobre a Palavra

18 horas. Voltando do almoço dominical na casa da sogra, enfrento uma chuva torrencial na estrada. Quero chegar antes das 20 horas, curiosa para assistir ao programa do jornal – afinal, ossos do ofício. Quando me aproximo, uma árvore caída na rua, uns 50 metros antes da minha casa, impede a passagem. Não há luz. Fui acolhida por uma vizinha e aguardei a retirada dos troncos para terminar a noite à luz de velas.

Então, o programa de TV do jornal impresso eu assisti pela manhã, na internet. Convergência de mídias é isso ai. Tivesse eu uma assinatura 3G poderia assistir no celular, ou no tablet (se eu tivesse um). Enquanto não há regulamentação dos artigos constitucionais que tratam da comunicação social é isso que temos – jornal e revista na TV, TV dona do jornal, locação de horário em emissoras que são concessões públicas… mas isso é outra história. Voltemos à Folha na TV.

Formato de web na TV

O TV Folha começou já há algum tempo como espaço audiovisual de notícias veiculado no Folha.com. Com formato dinâmico e reportagens que tinham um tratamento editorial mais focado na denúncia, mesmo quando se tratava de ações do governo paulista. Na televisão, o TV Folha manteve a mesma dinâmica e formato editorial.

O tratamento de imagens é mais arrojado do que o visto no telejornalismo consagrado pelo padrão Globo. A câmera participa da reportagem como personagem e não apenas como instrumento para captar a realidade. A velocidade, os desfoques e um enquadramento mais livre para usar a imagem editorialmente. Os infograficos, uma especialidade do jornal impresso, também foi bem integrado à linguagem audiovisual, sem aquele formato careta. Esteticamente, um produto muito bem realizado.

Mostrar prestígio e isenção

Em três blocos, o TV Folha foi ao ar nesta primeira edição para impactar o público mostrando que tem prestígio e isenção. No primeiro bloco, uma reportagem sobre a invasão na cracolândia trouxe depoimento do governador Geraldo Alckmin. Em seguida, veio o prefeito Gilberto Kassab para falar da cidade de São Paulo e da avaliação da sua gestão.

A primeira reportagem sobre um tema já exauridamente tratado pelo noticiário desde janeiro, teve o tom de análise da ação da PM paulista no centro da cidade para “limpar” a região dos usuários do crack. O ponto de partida da análise foi discutir se a iniciativa do governo, em parceria com a prefeitura, foi motivada pelas eleições 2012. Com depoimentos contra e a favor da ação, e ancorado pelas pesquisas do Datafolha, a reportagem tentou passar neutralidade no tratamento do fato, mas ao final ficou a mensagem de que a ação da PM cumpriu o objetivo de tirar os “viciados” como disse o repórter, Fernando Canzian, do centro paulistano.

Que vergonha da Bárbara

A tentativa de transformar a Bárbara Gancia no Márcio Canuto da TV Folha foi de uma vergonha alheia total. Fiquei constrangida ao ver a colunista de socialiates batucando um Kassab caçamba numa garrafa vazia de whisky. Com tiradinhas como cachepô dos infernos, ela tentou fazer a denúncia das caçambas sem fiscalização que ficam nas ruas da cidade. Gancho para uma entrevista com o prefeito, na qual os jornalistas Fernando Canzian e Vera Magalhães fizeram perguntas para tentar colocar o prefeito contra a parede. Jornalismo isento.

Puxão de orelha no Chico, que deselegância

No bloco Ilustrada, a TV Folha pegou carona do show do Chico Buarque em São Paulo da forma mais deselegante possível. O jornalista Ivan Finotti diz que o show é ótimo porque o cantor relembra vários sucessos. Mas, para ele, há um porém: o Chico canta 10 músicas do disco novo que ninguém quer ouvir????, diz o repórter. E para fechar a deselegância com chave de ouro, ele ainda dá um puxão de orelha no Chico dizendo – Chico podia ter sido só 5 vai! Sem comentários.

Mundo, Poder, Cotidiano do impresso para a TV

Como você já pôde perceber até aqui, as editorias do jornal impresso ganharam endereço também na versão para TV. No TV Folha Mundo, o programa trouxe uma reportagem sobre o a situação das regiões japonesas atingidas há um ano pelo Tsunami.

No TV Folha Poder, o jornalista Fernando Rodrigues ganhou uma coluna e no TV Folha Mercado o agraciado foi Vinícius Torres que pelo visto vão dar voz ao pensamento anti-Dilma encastelado no jornal.

Já o Cotidiano na TV trouxe reportagem sobre a reintegração de posse do Pinheirinho com entrevista exclusiva de Naji Nahas. Incrivelmente o jornal para TV dos Frias transformou o caso de São José dos Campos como uma ação de Nahas. O papel do governo paulista no episódio foi omitido escandalosamente.

Propaganda do jornal e do jornalismo Folha

Entre uma e outra reportagem, o TV Folha faz propaganda do jornal impresso, mostrando o trabalho na redação, o edifício, o jornal na prensa tentando passar a mensagem de um jornalismo que vai às ruas, aos fatos, apura e tem responsabilidade com a notícia. Esse “trabalho” não pode ser mostrado no impresso. Mas as imagens falam mais que mil palavras.

Num momento em que a credibilidade da Folha vem sendo questionada por amplos setores, em que fica visível nas linhas do jornal o tom oposicionista ao governo Dilma e o atrelamento do veículo ao projeto político dos tucanos, ter um produto audiovisual que procure desmontar essa crítica é estratégico.