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Greg Smith: Por que estou deixando o Goldman Sachs

Para pôr o problema em termos simples, os interesses dos clientes continuam a ser postos de lado no modo como a firma opera e pensa a respeito de se fazer dinheiro. O Goldman Sachs é um dos maiores e mais importantes bancos de investimentos e é integrado demais à finança global para continuar a agir dessa maneira.

Por Greg Smith, no The New York Times

A firma se distanciou tanto do lugar ao qual me juntei logo que saí da universidade, que não posso mais, em boa consciência dizer que me identifico com aquilo que ela representa hoje.

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Pode soar surpreendente para um público cético, mas a cultura sempre foi uma parte vital do sucesso do Goldman Sachs. Ela diz respeito ao espírito de equipe, à integridade, ao espírito de humildade e de sempre a fazer a coisa certa para os nossos clientes. A cultura foi o tempero secreto que tornou este lugar grandioso e nos permitiu ganhar a confiança de nossos clientes por 143 anos. Não se tratava apenas de fazer dinheiro; só isso não sustenta uma firma por tanto tempo. Eu tinha um trabalho a fazer com orgulho e confiança na organização. Eu estou triste em dizer que olho ao redor hoje e não vejo virtualmente nenhum traço da cultura que me fez amar trabalhar para esta firma por tantos anos. Eu não tenho mais orgulho, nem confiança.

Mas isso nem sempre foi assim. Por mais de uma década eu recrutei e orientei candidatos por meio de nosso extenuante processo de entrevistas. Eu fui selecionado como uma das 10 pessoas (de uma firma de mais de 30 000) para aparecer em nosso vídeo de recrutamento, que foi exibido em todos os campus universitários que visitamos ao redor do mundo. Em 2006, eu gerenciei o programa interno de verão em vendas e comércio em Nova York para mais de 80 estudantes universitários que passaram na seleção dentre milhares que se inscreveram.

Eu soube que tinha chegado a hora de deixar o banco quando me dei conta de que não poderia mais olhar nos olhos dos estudantes e dizer-lhes que este era um grande lugar para trabalhar.

Quando os livros de história sobre o Goldman Sachs forem escritos, eles podem refletir a respeito de como o atual Executivo Chefe Lloyd C. Blankfein e o presidente Gary D. Cohn abandonaram a cultura da firma, em suas análises. Eu realmente acredito que esse declínio na fibra moral da firma representa a maior e mais séria ameaça a sua sobrevivência no longo prazo.

Ao longo de minha carreira eu tive o privilégio de assessorar dois dos maiores fundos hedge no planeta, cinco dos maiores gerentes de ativos nos EUA e três dos mais proeminentes fundos soberanos de riqueza no Oriente Médio e na Ásia. Meus clientes tem um total de ativos base de mais de um trilhão de dólares. Eu sempre tive muito orgulho de aconselhar meus clientes a fazerem o que eu acreditava ser certo para eles, mesmo que isso implicasse menos dinheiro para a firma. Esta visão está se tornando cada vez mais impopular no Goldman Sachs. Um outro sinal de que tinha chegado a hora de deixá-lo.

Como chegamos até aqui? A firma mudou a maneira de pensar a respeito de liderança. Liderança costuma dizer respeito a ideias, a dar um exemplo e a fazer a coisa certa. Hoje, se você fizer dinheiro o suficiente para a firma (e não for atualmente um assassino famoso) será promovido a uma posição de influência.

Quais são as três maneiras rápidas de se tornar um líder? a) opere num dos “eixos” da firma, o que no vocabulário-Goldman significa persuadir seus clientes a investirem em ações e em outros produtos de que estamos tentando nos livrar por conta de seu pouco retorno lucrativo; b) “Cace Elefantes”; em inglês: traga os seus clientes – alguns deles são sofisticados, outros, não – para negociarem o que quer que traga mais lucro para o Goldman. Pode me chamar de antiquado, mas eu não gosto de vender produtos aos meus clientes que sejam ruins para eles; c) Veja a si mesmo sentado num cargo em que o seu trabalho consiste em negociar qualquer produto ilíquido e opaco com uma sigla de três letras.

Hoje, muitos dos líderes expuseram a cultura do Goldman Sachs a um percentual de exatamente zero por cento. Eu participei de reuniões sobre vendas de derivativos em que nenhum só minuto foi gasto com questionamentos a respeito de como podemos ajudar aos nossos clientes. Trata-se unicamente de como podemos fazer mais dinheiro possível às custas deles. Se você fosse um alienígena de Marte e participasse de uma dessas reuniões, você acreditaria que o sucesso ou o progresso do cliente não constitui parte alguma do processo, absolutamente.

Eu fico doente com a insensibilidade das pessoas falando sobre como se livrar de seus clientes. Ao longo dos últimos 12 meses eu vi cinco diretores gerentes diferentes se referirem aos seus próprios clientes como “muppets”, algumas vezes até em e-mails internos. Até mesmo depois que veio a público o email sobre o Fabuloso Fab [1], ou sobre a obra de Deus [2], Abacus, Carl Levin, as Lulas Vampiras? [3] Nenhuma humildade? Quer dizer, façam-me o favor! Integridade? Está erodindo. Eu não tenho conhecimento de qualquer comportamento ilegal, mas será que continuarão a empurrar produtos lucrativos e complicados aos clientes, mesmo quando não se trata de simples investimentos ou daqueles mais alinhados com os interesses dos clientes? Absolutamente. Todos os dias, na verdade.

O que me assombra é o quão poucos executivos experientes já encaram uma verdade básica: se o cliente não confia em você, ele poderá parar de negociar com você. Não importa o quanto esperto você seja.

Nestes dias, a questão mais comum dos analistas iniciantes de mercado a respeito de derivativo é: “quanto dinheiro faremos tirando do cliente?”. Isso me incomoda toda vez que escuto, pois isso é um claro reflexo do que estamos observando no modo de proceder de seus líderes, a respeito do modo como deveriam se comportar. Agora, projete 10 anos no futuro: você não precisa ser um cientista rigoroso para imaginar que o analista iniciante que estará sentado, quietamente, no canto da sala, escutando conversas sobre “muppets”, de “como tirar o couro do cara” ou “ser pago” não se tornará um cidadão exemplar.

Quando eu era um analista iniciante, eu não sabia onde era o banheiro, ou como amarrar o meu cadarço. Eu fui ensinado a me preocupar em aprender o básico, em entender o que era um derivativo, em entender a finança, em conhecer os nossos clientes e em ficar sabendo como motivá-los, aprendendo como eles definem o sucesso e o que poderíamos fazer para ajudá-los a chegarem lá.

Os momentos de maior orgulho de minha vida – ganhar uma bolsa plena para ir da África do Sul para a Universidade Stanford, ser selecionado como finalista nacional do Rhodes Scholar, ganhar a medalha de bronze de tênis de mesa nos Jogos da Macabíada em Israel, conhecido como a Olimpíada Judaica – todos resultaram de trabalho duro, sem atalhos. O Goldman Sachs hoje se tornou por demais algo a ver com atalho e não o bastante com conquistas.

Simplesmente me parece que não é mais correto.

Eu espero que isso soe o alarme para o conselho de diretores. Façam do cliente o ponto central de nosso negócio, de novo. Sem os clientes você não faz dinheiro. De fato, você não existirá. Livrem-se das pessoas moralmente quebradas, não importa o quanto de dinheiro elas façam para a firma. E retomem a cultura correta, para que as pessoas queiram trabalhar aqui pelas razões certas. As pessoas que só se preocupam em fazer dinheiro não sustentarão esta firma – ou a confiança dos clientes – por muito mais tempo.

(*) Greg Smith é diretor executivo demissionário dos negócios com derivativos do Goldman Sachs nos Estados Unidos, na Europa, no Oriente Médio e na Ásia.

Fonte: Carta Maior, tradução de Katarina Peixoto

NOTAS
[1] “Mais e mais alavancagem no sistema, todo o edifício está prestes a ruir, a qualquer momento, agora! Apenas um potencial sobrevivente, o fabuloso Fabrice Tourre …”. Este é um trecho de um email que um dos então vice-presidentes de investimentos, Fabrice Tourre (na época, 2007, com 31 anos) redigiu e que veio a público e deu causa a que a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sua sigla em inglês) tenha entrado com uma ação contra o Banco sob a acusação de fraude contra investidores, em outubro de 2010. N.deT.

[2] O link para o blog de Matt Philips, do The Wall Street Journal contém um texto no qual o analista do jornal comenta uma troca de e-mails entre um jornalista e um executivo do Goldman Sachs Lloyd Blankein (perfil na Forbes: http://people.forbes.com/profile/lloyd-c-blankfein/37715) a respeito do limite sobre as compensações de operações financeiras. Na troca de e-mails, o executivo da firma diz que ele é apenas um banqueiro “fazendo o trabalho de Deus”. N.deT.

[3] Lula Vampira é a expressão que o jornalista e editor da Rolling Stone Matt Taibbi utiliza para designar a onipresença das atividades do Goldman Sachs no sistema financeiro global. N.deT.