FolhaPE: 90 anos de ideal comunista

Quem nunca ouviu falar de Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lênin e suas ideias e teorias de uma sociedade mais justa, menos desigual? Pois bem, no próximo dia 25, faz 90 anos que tais pensamentos fizeram brotar um partido com ideais comunistas, que hoje é o mais antigo no Brasil.

O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) nasceu intimamente ligado às classes trabalhadoras e camponesas e percorreu caminhos muito particulares, sem deixar de sofrer influência das grandes experiências comunistas do mundo. Depois de muitos altos e baixos e de ter passado grande parte da sua existência na ilegalidade, o PCdoB chega aos seus 90 anos com a marca da resistência, porém bem adaptado à atual conjuntura política brasileira. E os ideais de igualdade? Bem, este continua sendo um ideal, um sonho embutido no coração e na mente dos comunistas do século XXI.

Com um passado de muita luta e convicção, o presente do PCdoB chega a ser complexo do ponto de vista subjetivo, já que traz em seu íntimo teorias muito distantes da realidade e do senso comum, ideologias que chegam a estar quase esquecidas. Pouco se fala hoje em revolução comunista, e o partido parece integrado ao jogo político nacional. Contudo, o momento que o Brasil vive hoje é também muito diferente das diversas fases do passado. Hoje, todas as instituições partidárias são livres para pregar suas ideologias, não existe ditadura, e o PCdoB faz parte do grupo de siglas que governa o País.

Na avaliação feita à Folha de Pernambuco, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, o PCdoB está inserido na conjuntura política do Brasil como uma força importante na busca do aprofundamento da nossa democracia, na defesa dos interesses do País, dos direitos dos trabalhadores e no combate à pobreza. “Nisso reside a importância do PCdoB, que nestes 90 anos soube adaptar-se à evolução do mundo sem se afastar do princípio basilar de colocar, sempre, os interesses do Brasil e dos brasileiros, à frente de qualquer outra coisa”, destacou.

Aldo Rebelo, ministro do Esporte

Para o deputado estadual e presidente da sigla no Recife, Luciano Siqueira, é muito difícil comparar o comunista do passado com o da atualidade. “No curso dessas décadas, o partido amadureceu muito do ponto de vista teórico e político. Hoje, eu penso que ser comunista é um desafio teoricamente mais complexo, mas é simples no sentido de que nós lutamos com uma orientação muito clara. Também é mais fácil porque vivemos em uma democracia e podemos dizer o que pensamos”, explicou.


Deputado Luciano Siqueira, dirigente estadual e nacional do PCdoB


Integrado

Contudo, fazendo uma avaliação dos partidos e da forma como atuam, o PCdoB não parece se diferenciar das outras agremiações que figuram no cenário político brasileiro. De acordo com o cientista político da Fundação Joaquim Nabuco, Túlio Velho Barreto, o partido aparenta estar bem integrado ao cenário político atual. “É um partido que está no jogo político, cujos objetivos são eleitorais. Isso se evidencia nas alianças feitas com partidos sem qualquer afinidade ideológica, além de o ingresso de alguns políticos, cuja trajetória não tem relação com a linha comunista”, avaliou.

De acordo com a deputada federal Luciana Santos – que foi a primeira mulher a se tornar prefeita no PCdoB, em Olinda – a legenda vem, dentro do governo, levantando a bandeira da soberania e autonomia do povo brasileiro, além de defender uma agenda de crescimento e desenvolvimento. Segundo a comunista, a política de alianças é uma contribuição do PCdoB. “Antes mesmo de o PT adotar essa política, nós já defendíamos que a viabilidade da vitória de Lula (PT) dependia da ampliação da base, e é essa política que possibilita a governabilidade”, contou.


Deputada Luciana Santos, vice-presidente nacional do partido

Esta semana, para comemorar os 90 anos do partido, estão programas algumas homenagens. Será homenageado na Assembleia Legislativa, na próxima terça-feira, e, na sexta, realizará uma festa em Olinda. O PCdoB também promoverá um ato político-cultural, no Rio de Janeiro, no dia 24. No dia 26 de março haverá uma sessão solene no plenário do Senado.

Fundadores: Intelectuais e trabalhadores

O partido que representava os comunistas do Brasil foi fundado em 25 de março de 1922, em Niterói (RJ), por intelectuais e trabalhadores de todo o País. Na época foi adotada a sigla PCB. Construir um partido inspirado nos ideais socialistas foi a missão de nove delegados, entre eles um pernambucano, o advogado Cristiano Cordeiro. Desse grupo surgiu a primeira geração de comunistas do Brasil. A legenda nasceu ligada às lutas operárias, que já tinham uma certa atuação, mas não estavam introduzidas na cena política. O partido passou poucos anos atuando na legalidade, e logo passou a ser perseguido.

Com o declínio da República Velha, veio a Revolução de 1930 que colocou Getúlio Vargas no poder. Esse movimento não teve apoio do Partido Comunista, que, durante todo o Estado Novo, foi duramente reprimido. Em 1945, com o fim da ditadura, a legenda voltou à legalidade e em dezembro daquele ano, na eleição da Constituinte, elegeu Luís Carlos Prestes senador e mais 14 deputados.

Nesse período, a pernambucana Adalgisa Cavalcanti se tornou a primeira mulher comunista a ser eleita e integrar o Legislativo. Ela foi a quinta deputada mais votada do seu partido e, no seu curto mandato, chegou a apresentar um projeto relacionado à questão da mulher. Contudo, em 1948, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro do partido, todos os parlamentares perderam os mandatos e o PCdoB retornou à ilegalidade.

No final dos anos 50, o comunismo entrou em uma crise teórica que gerou divisões em todo o mundo e, no Brasil, não foi diferente. O XX Congresso da União Soviética, liderado por Nikita Kruschev, apresentou o “relatório secreto”, atacando Stalin, com supostas denúncias. O movimento na URSS foi considerado revisionista pelos seus opositores, gerando as cisões.

Dissidência começou na URSS e o nome mudou

No Brasil, uma grande ala do então PCB resolveu acompanhar as ideias de Kruschev e, sem que fosse realizado um congresso, mudaram o nome do partido, seu programa e estatuto. Uma minoria da direção do partido, porém, discordou dessa atitude o que gerou a segregação. Em 1962, a parte insurgente do PCB realizou a reorganização do Partido Comunista do Brasil e adotou a sigla PCdoB, para diferenciar do PCB.

As lideranças dessa época, entre elas João Amazonas, resgataram os princípios programáticos e estatutários de 1922 e reivindicaram o passado do partido. De acordo com o deputado Luciano Siqueira, o argumento do PCdoB foi o de que o PCB não era mais o partido fundado na década de 20. “O partido que adotou o nome de ‘brasileiro’ não mudou apenas de nome, ele retirou o estatuto e o programa do partido, que são elementos fundamentais”, lembrou.

Em seguida veio o Regime Militar e, com ele, mais uma longa fase de perseguição os comunistas. O próprio Luciano Siqueira sentiu na pele a fúria da ditadura, quando foi preso e torturado por mais de um mês. O partido participou da campanha “Diretas Já”, que culminou na eleição de Tancredo Neves. Em 1985, o PCdoB voltou à legalidade e permaneceu assim até os dias de hoje. Atualmente com 14 deputados e dois senadores, o partido ainda é uma legenda pequena.

“Eu tinha medo só de ouvir falar”


Eufrásio Elias é militante histórico do partido

Seu Eufrásio Elias, 87 anos, é militante do Partido Comunista do Brasil desde 1955 e até hoje atua “com toda disposição” e é da direção municipal do PCdoB no Recife. Porém, houve um tempo em que, ao invés de amor pelo comunismo, seu Eufrásio tinha verdadeiro pavor até da palavra. Esse sentimento vinha da grande propaganda negativa, fruto de interesses pessoais e de capitalistas daquela época. “Eu tinha medo só de ouvir falar no nome comunismo. A religião, os jornais, as pessoas mais velhas, todos diziam que o comunismo era uma coisa terrível, que era contra Deus”, lembrou.

Mas a vida mostrou a seu Eufrásio que as coisas não eram como foram descritas a ele. “Uma época fui trabalhar como taxista, ali no Parque Amorim, e conheci dois cidadãos que eram comunistas e eram pessoas de bem, chefes de família exemplares. Naquele mesmo ano, houve a eleição de Pelópidas Silveira para prefeito do Recife, e eu, que trabalhava em táxi, fui chamado para o seu comitê. Um dia saí com Gregório Bezerra, que comandava os comícios. Fomos para o Alto do Pascoal. Lá chegando, ele saltou do carro e tinha um bocado de crianças maltratadas, sujas, magras e ele parou, olhou para as crianças e depois virou para mim e disse: ‘É por isso que eu sou comunista, no comunismo não tem isso’. Foi aí que decidi me tornar comunista”, revelou o senhor que, emocionado, diz sonhar e acreditar na salvação que virá com o socialismo.


Zezinho ajudou na reorganização do partido

Outra figura emblemática do partido em Pernambuco é o sindicalista José Inácio Barbosa, de 76 anos, mais conhecido como Zezinho. A história deste pernambucano se confunde com a da luta dos trabalhadores rurais do Brasil. Zezinho participou da reorganização do partido no Estado, em 1962 e tem um orgulho imenso de ter marchado ao lado de líderes como João Amazonas. Apesar da pouca instrução, ele conhece bem a história do comunismo no mundo, que culminou na divisão do antigo PCB.

“Eu, que era da Liga Camponesa e estava lutando em Goiás, fui convocado para participar dessa batalha ideológica que foi muito forte, provocada pela antiga União Soviética. Eu tinha cerca de 20 anos e ajudei na reorganização do partido”, lembrou. Durante a Ditadura Militar, foi perseguido em Pernambuco e teve que sair do Estado, passando mais de 20 na clandestinidade. “Continuei atuando e nunca fui pego. Aprendi muita coisa nessa fase da minha vida”, disse Zezinho.

Fonte: Folha de Pernambuco / 18/03/2012