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Aborto: decisão do STF exige votação de projetos no Congresso 

O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, nesta quarta-feira (11), pedido para que a interrupção da gravidez de anencéfalo (feto sem cérebro) não seja considerada crime. Pelo Código Penal, o aborto é crime em todos os casos, exceto se houver estupro ou risco de morte da mãe. No dia seguinte ao resultado do julgamento, a expectativa é de que o parlamento brasileiro assuma o seu papel de legislar sobre o assunto.

Para que o aborto seja totalmente permitido nos casos de anencefalia, e o procedimento não tenha que esperar por uma decisão judicial em cada caso, o Congresso teria de aprovar uma lei descriminalizando o aborto de anencéfalos. Atualmente, tramitam no Congresso dois projetos relacionados ao tema, e nenhuma tem previsão para ser votada.

O primeiro é o projeto de 2004 na Câmara, de autoria de Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que aguarda Parecer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A proposta é isentar de pena a prática de "aborto terapêutico" em caso de anomalia do feto, incluindo o feto anencéfalo, que implique em impossibilidade de vida extra uterina.

A segunda proposta, apresentada em 2011 no Senado, pelo senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), tramita na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. E dispõe que não se pune o aborto no caso de feto com anencefalia, se é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

A decisão do Supremo deve uniformizar o entendimento dos tribunais, porém, pode não resolver o problema. Como o Código penal não trata de anencefalia, há anos juízes e tribunais têm decidido caso a caso sobre a interrupção da gravidez, em muitos deles, concedendo os pedidos. Em outros, a ação perdeu o objeto em razão da demora – quando o processo chegava às mãos do juiz, o parto já havia ocorrido.

Foram tantos casos que a controvérsia acabou chegando ao Supremo. O tipo de ação é uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (utilizada para fazer valer um princípio da Constituição), apresentada em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde. Para a confederação, impedir o aborto nesses casos fere uma garantia fundamental: a dignidade da mãe.

Entraves e obstáculos

Em entrevista ao G1, a deputada Jandira Feghali "lamenta" a demora do Congresso em legislar sobre a questão. "Eu sempre lamento o retardamento dessas decisões porque isso impacta na vida das pessoas. Minha proposta é de 2004. Na Comissão de Seguridade Social e Família tramitou rápido, mas está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desde 2005", explica ela.

E avalia que "a mobilização de diversos pensamentos filosóficos e religiosos sempre retarda uma decisão e isso é lamentável. O projeto de lei não é para obrigar (o aborto de anencéfalos), mas apenas ampliar direitos e opções da mãe", defende. "O que queremos é descriminalizar o aborto", diz ela, dando o direito à gestante de um anencéfalo de escolher se quer ou não interromper a gravidez.

O senador Mozarildo Cavalcanti também atribui o atrasos nas votações das matérias a interferência de setores religiosos, “que prejudicou o Congresso brasileiro a aprovar até hoje uma legislação sobre o tema”, afirmou. Na avaliação dele, a decisão do STF irá "fazer perder o objetivo das leis", gerando uma jurisprudência sobre a questão.

“Se não temos uma legislação ainda sobre o tema e o STF tem que julgar a questão, não foi por falta de iniciativa. Eu apresentei em 2000 um projeto que não andou por pressões e lobby de diversos setores religiosos", critica. "Eu sou médico, ginecologista e obstetra e, em 14 anos de profissão, nunca vi um anencéfalo sobreviver a mais de 48 horas após o nascimento."

Ainda conforme o senador, "a lei já prevê o aborto em caso de estupro e de risco para a mãe". "Só estamos ampliando para o caso de anencéfalos, em que também há riscos", defende.

Novo Código Penal

Para o procurador regional da República da 3ª Região Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, a aprovação do novo Código Penal resolve o problema. Relator do anteprojeto da reforma do Código Penal na comissão de juristas criada pelo Senado, ele afirma que o texto deve descriminalizar o aborto quando for comprovada a anencefalia ou a existência de doenças graves e anomalias incuráveis no feto, que inviabilizem a vida.

Gonçalves vê como “natural” a resistência de bancadas religiosas à polêmica. “Numa questão como esta, diversas opiniões filosóficas ou religiosas têm legitimidade. Mas a antecipação do parto é vista como um procedimento médico e não ético”, diz.

Segundo o procurador, o objetivo da mudança é deixar que a mãe tenha liberdade para tomar a decisão de levar a gravidez adiante nesses casos.

“Estamos propondo que não seja crime a antecipação do parto nestes casos, entre eles quando o feto não tiver cérebro ou tiver alguma doença que impeça a vida extrauterina. A minha ênfase é que a mulher possa tomar a decisão caso queira continuar a gravidez, mas isso não pode ser uma coisa imposta. O estado não pode obrigar esta mulher que quer ser mãe que leve a gravidez até o fim, com as dores da gravidez e as alegrias do parto, se ela não quer”, afirma.

Definição de anencefalia

A anencefalia é uma grave malformação fetal que resulta da falha de fechamento do "tubo neural" (a estrutura que dá origem ao cérebro e a medula espinhal), levando à ausência de cérebro, calota craniana e couro cabeludo. A junção desses problemas impede qualquer possibilidade de o bebê sobreviver, mesmo se chegar a nascer.

Estimativas médicas apontam para uma incidência de aproximadamente um caso a cada mil nascidos vivos no Brasil. Cerca de 50% dos fetos anencéfalos apresenta parada dos batimentos cardíacos fetais antes mesmo do parto, morrendo dentro do útero da gestante, de acordo com dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Um pequeno percentual desses fetos apresenta batimentos cardíacos e movimentos respiratórios fora do útero, funções que podem persistir por algumas horas e, em raras situações, por mais de um dia.

Isso não significa possibilidade de sobrevida, explica o médico Olímpio Barbosa de Moraes Filho, presidente da comissão de assistência ao abortamento, parto e puerpério da Febrasgo. "Ele precisa do cérebro para comer, para respirar. Não há como respirar sem cérebro, por isso ele morre, no máximo, em algumas horas. A chance de sobrevivência é zero", diz Moraes Filho.

O diagnóstico pode ser dado com total precisão pelo exame de ultrassom e pode ser detectado em até três meses de gestação.

De Brasília
Com informações do G1