Menon: Sou a favor da Copa no Brasil

Das aulas de química dos professores Maurício Bacci e Márcia Lippelt, nos anos 1970 lá no Instituto de Educação dr. Francisco Thomaz de Carvalho, em Casa Branca, ainda guardo o conceito de catalisador. Toda e qualquer substância que acelera uma reação. Por exemplo, hidrogênio e oxigênio gasosos reagem apenas quando expostos à platina, que cumpre ali, sua única missão.

Por Menon, em seu blog

Uma notícia que virou o mundo – e qual notícia não vira o mundo nos dias de hoje? – serviu de catalisador para a minha reação de hoje. O comitê organizador da Olimpíada de Londres mandou um e-mail para o empresário de Keith Moon convidando o grande músico para tocar nos jogos. O empresário agradeceu dizendo que “infelizmente há 34 anos o querido Keith reside no crematório Golders Green”.

Um amigo me disse: e se fosse no Brasil? E se convidassem Elis Regina a cantar na abertura da Copa? O mundo cairia, seria uma prova a mais de que o Brasil não pode sediar a Copa. Tenho ouvido isso desde 2007, quando se confirmou a Copa no Brasil. Fui a um jogo em Santo André, na péssima cabine do Bruno José Daniel. E ali, ouvi a frase que me acompanha desde então. “Esse é o país da Copa?”. E ela se repetete a cada momento. O trânsito caótico, taxista que não fala inglês, aeroporto lotado, muito calor…. Tudo é motivo para se dizer “esse é o país da Copa?”.

Eu quero a Copa no Brasil. Eu sei que o Brasil merece ser sede da Copa. Não há país que mereça mais ser a sede da Copa que o Brasil. Digo isso mesmo que corra o risco de ser chamado de burro, ingênuo, corrupto, amigo de corrupto, parente de corrupto e coisas assim.

Para começar a explicação, peço que deem uma olhada na foto abaixo. É de 1958 e retrata o Comercial, um dos grandes times de Aguaí. Reparem no Dilinão, o último jogador em pé, da esquerda para a direita. Olhem a pose, a dignidade do zagueirão. Um pouco para a direita está o Maurício Coutinho, que parece o Zózimo. Vejam a postura de todos, com os braços cruzados. E os que estão agachados, com seus uniformes rotos, mas cientes de que são ídolos de uma cidade.

Há muitos outros times que fizeram a história do futebol de Aguaí: Associação, Botafogo, Bangu, Boca, River, Vila Nova, Vila Braga, Saragossa (assim mesmo) recheado de jogadores como Povinha, Dirceu, Paulo do Nofre, Adauto, Cesinha, Tião Canela, Fumaça, Toró, Valdir Loiro, Carlos da Carolina, Milton e Zeca do Anísio, Paulo Grillo. Em Casa Branca, havia o Palmeirinha, o Guará e jogadores como Tenente, Dito Bicho, Mazinho Monteiro, Nardo, Xaxá, Lance (teve sucesso no Corinthians) e Maritaca, que também esteve no Corinthians. Casa Branca do Corinthinha do sapateiro Gilmar. E tantos outros times da região como Pratinha, Palmeirinha e Esportiva (revelou apenas Mauro e Bellini) de São João da Boa Vista, Vargeana, de Vargem Grande do Sul, o clássico Operário e União, de Tambaú.

Você pode estar falando que toda cidade tem um time de futebol e que esses aqui não diferem nada dos outros. Justamente. Este é o ponto. Toda cidade brasileira tem um clássico de futebol. Tem um craque que a cidade jura que poderia ter ido para um time grande, quem sabe a seleção. O futebol não é só um esporte, é um traço cultural desse país. O que acontece em comum aos domingos em todos os 5 mil municípios brasileiros não é a missa, não é o churraco, não é o macarrão da mamma. É uma partida e futebol.

Essa capilaridade pouco comum, presente em poucos países do mundo é o primeiro motivo pelo qual defendo a Copa no Brasil. Ela garante comentários, discussões, uma Copa viva. Cobri três competições dessas e somente na Alemanha vi uma Copa viva, pulsante. Nos Estados Unidos, juntamente com alguns colegas gostávamos dizer que éramos jogadores do Brasil. Eles acreditavam. A gente dava autógrafo. No Japão, passei uma tarde no shopping com o amigo Ary, de O Globo. Quando saímos, caía uma chuva fina. Em um restaurante, havia uma lousa com o cardápio do dia e outra com a notícia Turquia 1 x Japão 1. O anfitrião estava eliminado e os japoneses continuavam andando normalmente, ninguém comentava o jogo, ninguém ofendia o juiz, ninguém gritava, não houve tentativa de suicídio, ninguém praticou hara-kiri. A Copa passa.

A capilaridade pode existir na Bolívia também. Mas a Bolívia não ganhou cinco copas do mundo. Só o Brasil ganhou cinco vezes a Copa. E por ser o maior campeão de todos os tempos, por ser o único que participou de todas as Copas, merece ser sede pela segunda vez. E, só para lembrar, o Brasil pertence à América do Sul, que ganhou nove Copas. E foi vice outras três. Esse continente merece a Copa.

São argumentos emocionais, históricos e pouco práticos. Se você acha…. Mas eu tenho outros contra o senso comum que foi imposto por uma certa “inteligentzia” brasileira determinando que o Brasil não pode ser sede da Copa e nem da Olimpíada. É “errado” pensar assim. É como se você usasse pochete. Fora de moda. Para muita gente, o Brasil está predestinado a ser coadjuvante no máximo. O ideal mesmo é que fosse um mero figurante, o último nome do filme antes de aparecer o do motoboy.

Esse Brasil não existe mais, amigos. A Copa aqui não seria, como foi em 1978 na Argentina, pano de fundo para ditadores sanguninários. Não conseguiram nada com isso e quatro anos depois, criaram a carnificina das Ilhas Malvinas, mandando jovens assustados morrerem na não de ingleses bem treinados. Aqui, a democracia está implantada. Quais foram os nosso três últimos presidentes? Um sociólogo exilado, um operário que apressou o fim da Ditadura comandando greves no ABC e uma mulher torturada pela ditadura.

A Copa aqui não seria cancelada como foi a da Colômbia em 1986. Com moeda estabilizada, com inflação dominada, com crescimento econômico e inclusão social. É a sexta economia do mundo. Aqui há cidades grandes para sediar a competição.

Copa no Brasil é sinônimo de Copa em um continente com muitos títulos, em um país forte economicamente, com muitos títulos e com um povo que ama e entende de futebol. E eu não sou nenhuma Pollyana. Sei que há problemas mas confio que possam ser superados.

Há violência no Brasil? Sim. Mas e Jean Charles Menezes, o brasileiro assassinado pela polícia de Londres. Polícia, aliás que ainda não conseguiu prender Jack, o Estripador depois de 100 anos. E ninguém acha um absurdo haver Olimpíada em Londres. Ah, se fosse no Brasil. E esse monstro norueguês, a sorrir em todas as fotos, depois daquele massacre em Oslo. Ah se fosse no Brasil. E as questões raciais na França? Ah se fosse no Brasil….

E a corrupção brasileira? É nojenta. Corrói a nação. Mas, sabe de uma coisa? Eu tenho marcada a lista de todos os deputados federais em quem votei desde 1974. Há motivo de vergonha como Alberto Goldman. Há motivo de orgulho, como Ulysses Guimarães. Quando eu gosto, eu repito o voto. Quando não gosto, eu troco. Não abdico da política. Não fico dizendo que todo mundo é igual e que não pode ter Copa aqui porque existe corrupção. Aliás, eu me indigno mais com a falta de punição para os assassinos do massacre de Eldorado Carajá do que com corrupção.

Há os especialistas em corrupção. Denunciam tudo o que há de errado e isso é importante. Mas não pode ser parâmetro para se dizer que não temos o direito de sediar a Copa. Mesmo porque não analisaram a corrupção em outros países em outras copas.

Para os que só pensam em corrupção, para os que veem a árvore e não a floresta, uso o mesmo tipo de argumento, rasteiro. O dinheiro que o Brasil vai ganhar com a Copa é muito mais do que aquele que perderá com a corrupção.

A Copa não será perfeita. Haverá problemas. Estangeiros vão reclamar de vôos, vão se assustar com as favelas, vão ser assaltados. Mas, ao contrário da nossa “inteligentzia” eles aprovarão a Copa no Brasil e voltarão correndo se houver uma outra daqui a oito anos.

Desculpem o desabafo, mas eu estava ficando irritado. Eu, um brasileiro, me sentia intimidado em dizer que sou a favor da Copa no Brasil. Agora, isso passou.

*Luís Augusto Simon (Menon) é jornalista, trabalha atualmente na Revista ESPN e no site Trivela. Cobriu três Mundiais e mais de 50 jogos da seleção brasileira.