Ministério Público desafia décadas de impunidade da ditadura 

As iniciativas do Ministério Público Federal para instaurar investigações criminais sobre violações de direitos humanos cometidas no passado assinalam um momento crucial na história do Brasil, declarou a Anistia Internacional, tendo em vista que, no dia 24 de março de 2012, promotores federais em São Paulo denunciaram à Justiça o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado de polícia Dirceu Garvina pelo sequestro do líder sindical Aluízio Palhano Pedreira Ferreira em 1971.  

"Ao desafiar a impunidade que prevaleceu por décadas, espera-se que o Brasil, finalmente, cumpra com suas responsabilidades sob o direito internacional, assim como já o fizeram diversos países da região", disse Atila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional Brasil.

Há 41 anos, em maio de 1971, Aluízio Palhano Pedreira Ferreira foi detido arbitrariamente por agentes de segurança do governo militar. Desde então, nunca mais foi visto por sua família. Segundo informações, ele foi levado para as dependências do DOI-Codi, departamento responsável pela inteligência e repressão no regime militar, então sob o comando do coronel Ustra. Conforme o depoimento de testemunhas à época, Ferreira foi torturado enquanto detido pelos serviços de segurança.

A Lei da Anistia brasileira, de 1979, criada originalmente para indultar os crimes políticos cometidos no período, vem sendo interpretada de modo a incluir em seu escopo atos de tortura e execuções extrajudiciais cometidos por membros do regime, protegendo-os de investigações e processos criminais.

A Procuradoria denunciou o coronel Ustra e o delegado Garvina por sequestro, dado que o corpo da vítima jamais foi encontrado e o que qualifica o crime como "continuado”, persistindo depois de 1979 e não estando, portanto, coberto pela anistia. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha recentemente mantido a anistia para os crimes cometidos sob o regime militar, o tribunal decidiu, em duas distintas ocasiões, que a Lei da Anistia não oferece proteção para os crimes de desaparecimento forçado e de sequestro. Essas sentenças foram proferidas em dois casos separados de extradição: a de um oficial militar uruguaio e de um argentino (Extradições 974 e 1150), em 2009 e em 2011.

Após vários anos de inércia, o Brasil realizou progressos importantes para enfocar os crimes hediondos cometidos no período militar (1964-1985), tendo aprovado, em novembro de 2011, a criação de uma Comissão da Verdade.

"É essencial que as vítimas e seus familiares, que sofreram com as torturas, com os desaparecimentos e com os assassinatos nas mãos dos agentes da repressão militar, tenham garantida a verdade, a reparação e a justiça que são seus direitos fundamentais", afirmou Atila Roque.

Informações complementares

Essa é a segunda denúncia criminal apresentada pelo Ministério Público Federal por violações dos direitos humanos cometidas durante o regime militar. A denúncia contra o coronel Sebastião Curió Rodrigues de Moura, apresentada em março de 2012, relativa ao desaparecimento de cinco integrantes de uma guerrilha no estado do Pará, em 1974, foi recusada por um juiz federal. O Ministério Público está recorrendo da decisão.

Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF), em uma controversa decisão, sustentou que a Lei da Anistia poderia ser usada para cobrir as graves violações cometidas durante o regime militar. Alguns meses depois, em novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu, no caso Gómez Lund, que a Lei da Anistia era incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, que a lei carecia de validade jurídica e que não deveria servir de obstáculo à investigação, aos processos criminais e à punição daqueles que violaram os direitos humanos.

Fonte: Adital