Despenalização das drogas na América: solução ou retrocesso?
A despenalização das drogas promovida como estratégia para combater o narcotráfico no continente americano alenta a controvérsia e divide os que veem nisso uma solução ou um retrocesso.
Liset Salgado*
Publicado 28/04/2012 15:10
Essa proposta, esgrimida no início de 2012 pelo presidente da Guatemala, Otto Pérez Molina, apresenta-se como uma alternativa à fracassada política antidrogas que os Estados Unidos praticam há mais de 40 anos.
Segundo Pérez Molina, enquanto exista mercado negro "e os dólares e as armas continuam vindo do território estadunidense (principal consumidor de drogas em nível mundial) esta guerra é impossível de se vencer".
O governante pretendia atingir uma postura de consenso do Sistema de Integração Centro-americana (Sica) para a 6ª Cúpula das Américas celebrada em Cartagena de Índias, Colômbia, em 14 e 15 de abril.
No entanto, o Sica – que é integrado por Belize, Costa Rica, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Panamá e República Dominicana – não conseguiu consenso quanto à despenalização.
Mesmo assim, os líderes centro-americanos, com exceção dos presidentes Maurício Funes, de El Salvador, e Daniel Ortega, da Nicarágua, decidiram iniciar um "diagnóstico completo" sobre o problema que o narcotráfico representa para a região.
O combate a esse flagelo não era parte da agenda do foro de chefes de Estado e Governo que se reuniram em Cartagena de Índias; no entanto, conseguiu chamar a atenção do plenário durante uma sessão.
Ainda que as posições dos mandatários fossem em geral diferentes, todos concordaram com que a atual estratégia continental antidrogas é ineficaz e se impõe repensar o assunto e buscar alternativas.
Curiosamente, esse foi o único consenso atingido na reunião que terminou sem uma declaração final por desacordos sobre a inclusão de Cuba no foro e a rejeição a debater o reclame da soberania da Argentina sobre as ilhas Malvinas.
Os governantes concordaram em estudar estratégias e "explorar novos enfoques para fortalecer esta luta (ao narcotráfico) e serem mais efetivos", afirmou no encerramento o presidente colombiano, Juan Manuel Santos.
O anfitrião da cúpula comentou que os líderes das Américas deram um passo histórico ao tomar essa decisão que considerou dar o mandato à Organização dos Estados Americanos para que leve a cabo o processo.
Ao referir-se ao tráfico de narcóticos que tem lugar hoje no continente, Santos advertiu que "apesar dos imensos esforços e dos imensos custos, continua sendo um negócio pujante".
A palidez dos programas implementados sob supervisão dos Estados Unidos, em muitos países latino-americanos substituídos por alternativas próprias, reflete-se no incremento da insegurança e o crescente consumo de drogas.
O presidente Barack Obama disse ser a favor da busca de alternativas que considerem, além do tráfico, a demanda estadunidense e o fluxo de dinheiro e armas para o sul.
"Não podemos ver o tema da oferta sem considerar o tema da demanda dos Estados Unidos", afirmou Obama na clausura da Cúpula Empresarial das Américas realizada também em Cartagena.
Mas conquanto o governante norte-americano estivesse de acordo em debatê-lo, esclareceu que "pessoalmente, minha posição e a de minha administração é que a legalização não é a resposta".
Obama fez questão de dizer que é contra a legalização, ainda que admitisse a necessidade de "darem mais passos e serem mais criativos" e debater "se as leis atuais estão fazendo mais dano que bem em alguns lugares".
Dois dias após a cúpula o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS) difundiu um relatório no qual considera a guerra contra as drogas uma "ameaça para a segurança internacional".
O documento do IISS denominado "Drogas, insegurança e Estados frustrados: os problemas da proibição" demanda a busca de alternativas às políticas atuais.
Segundo o texto, a proibição das últimas quatro décadas não impediu a produção, o tráfico e o consumo, mas que, pelo contrário, incrementou a violência e a instabilidade em todo o mundo.
O relatório defende um "debate mundial urgente" para estudar possíveis alternativas ao regime de proibição atual, inclusive a legalização e a despenalização como enfoques prováveis.
Nigel Inkster, diretor de Ameaças Multinacionais e Riscos Políticos no IISS, alertou que os países em desenvolvimento são os que levaram a "pior parte" da guerra ao narcotráfico.
Ainda que reconhecesse que a tarefa será difícil, o especialista fez questão de dizer que os Estados consumidores devem "assumir uma maior responsabilidade" e prover assistência às nações afetadas pela violência.
O combate ao narcotráfico enfocado pelos Estados Unidos desde inícios da década de 1970 está orientado a frear a produção, o comércio e o consumo de substâncias psicoativas proibidas.
Os defensores dessa iniciativa condenam as redes de delinquência e corrupção existentes em torno do fenômeno, bem como os danos que o consumo ocasiona à saúde física e psíquica.
Para os detratores, essa guerra só pretende defender interesses geopolíticos sobre a base da ingerência nos assuntos internos dos países da área e a irupção na vida privada de seus cidadãos.
Os que se opõem à cruzada antidrogas lançada pela Casa Branca sustentam que os problemas relacionados com o narcotráfico e o consumo são resultado da própria proibição.
Quem apoia a legalização defende o respeito ao direito que a cada pessoa tem de eleger e consideram que redundaria na erradicação das máfias relacionadas com o narcotráfico.
Os partidários vão desde os que defendem a regularização total, que entranha a eliminação de todas as formas de controle governamental, até os que creem possíveis formas de legitimação regulada.
Na opinião dos promotores da despenalização, essa é uma via para diminuir os ganhos do narcotráfico, o que levaria ao fracasso com o fim da violência que gera.
* Jornalista da Redação América do Sul da Prensa Latina.