Ângelo Alves: Eleições em crise

Os resultados da primeira volta das eleições presidenciais francesas indicam haver uma real possibilidade de mudanças na política francesa. Se o novo presidente da República francesa se chamar Hollande tal fato se dever mais a uma derrota de Sarkozy do que a uma vitória do candidato socialista.

Por Ângelo Alves*

Mas, de qualquer forma, a possibilidade do afastamento de Sarkozy do Eliseu não deixa de ser um facto positivo, conhecidas que são as sua políticas racistas, xenófobas, colonialistas, belicistas e ultraliberais.

Políticas em muitos campos coincidentes com as da recauchutada Frente Nacional de Marine Le Pen, um partido que, federando as diversas expressões políticas da extrema-direita francesa, teve um resultado significativo e preocupante (17,9%), mas que ainda assim fica aquém da soma dessas mesmas expressões em 2002, em que Le Pen e Megret atingiram os 19% dos votos.

Tudo indica que, ao contrário do que afirmam alguns analistas, não estamos perante um significativo reforço da extrema-direita ou perante uma "novidade", mas antes perante uma recuperação face a 2007 conseguida não por mérito próprio mas pelo campo aberto por Sarkozy e pelas suas próprias políticas.

A outra mudança que de fato já aconteceu nestas eleições é o resultado do candidato da Frente de Esquerda, formação política integrada por várias forças políticas, onde se integra o PCF, e que recolheu 11,1% dos votos. Tal resultado, que se sucede a uma dolorosa derrota do PCF nas eleições presidenciais de 2007 em que Marie George Buffet obteve 1,93%, expressa uma real capacidade de atracção da Frente de Esquerda, não dissociável da crise económica e social que se faz sentir em França e dos processos de luta que ali têm tido lugar.

Mas a sua implantação, e sobretudo a recuperação da influência eleitoral e política do PCF – após uma eleição em que pela primeira vez aparece diluído numa frente e num período em que ainda sofre do ponto de vista eleitoral, orgânico e de influência política as consequências do processo de "mutação" iniciado por Robert Hue (hoje já fora das fileiras do PCF) – terá de ser confirmada na mais importante batalha política que o PCF e a Frente de Esquerda têm pela frente, as eleições legislativas de 10 e 17 de Junho.

Rumo à segunda volta Francois Hollande abraçou ainda mais a campanha mediática da "mudança" e afirmou que o que os franceses decidirem no domingo terá impacto "na França, na Europa e no Mundo". Mas a verdade é que analisando as propostas políticas de Hollande e do PSF a conclusão que se retira é que pouco ou nada vai mudar na Europa ou no Mundo por causa da eleição de Hollande.

Desde as questões europeias – onde Hollande ziguezagueia na estratégia do retoque de uma obra filha da social democracia e da direita, a União Europeia neoliberal, militarista e federalista – até à política externa – com a afirmação de que a França participará sob a sua direcção numa agressão militar à Síria – passando pelo piscar de olhos à extrema-direita no tema da imigração, o que temos perante nós é mais uma vez, e a exemplo do que se passou com a eleição de Barack Obama, uma gigantesca campanha de sobrevivência do sistema no meio de uma crise profunda, e, sobretudo, uma recauchutagem e lavagem de cara a uma social-democracia desacreditada face à crise que, com a direita e o grande capital, criou.

Uma social-democracia desacreditada como o bem demonstram as sondagens de umas outras eleições de que, curiosamente ou nem por isso, pouco se tem falado: as eleições gregas, que se realizarão também no próximo domingo. Uma eleição em que, a confirmar-se as sondagens, os dois principais partidos do sistema (PASOK e Nova Democracia) poderão perder metade do seu eleitorado e não conseguir (juntos!) 50% dos votos.

Ora, quer as eleições na França, quer as eleições na Grécia demonstram de forma diferente uma mesma coisa: é que o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo não tem apenas reflexos económicos e sociais, começa a ter efeitos no sistema de representação burguesa que sustenta politicamente o próprio sistema.

* Ângelo Alves é membro da Comissão Política do PCP.

Fonte: Avante!