Não vi a lua

Nem a azulada, nem a prateada, nem esta alaranjada, aliás nem coloquei o nariz resfriado na rua. O bom é que não preciso me lamentar porque sei que a lua cheia, obediente às leis da astronomia e como uma arquetípica "mãe generosa" desde a antiguidade histórica, voltará em 28 dias.

Por Christiane Marcondes

Pode não ser a lua magistral, a maior de 2012, a lua que sintonizou os místicos na frequência direta com os mestres do cosmo nesta madrugada de 5 de maio, mas será a lua cheia de sempre, que chama a atenção do mais desatento dos passantes quando cruza o seu caminho e o seu olhar.

Só não podemos andar de cabeça baixa, o que, simbolicamente, é um tipo de rendição ao comezinho, chão de pavimento ou de terra sob os pés, e negação do que escapa ao tato, a lua e o firmamento, tão longe e ao mesmo tempo tão perto.

Ouso pensar que a humanidade deixou as cavernas por causa das estrelas. E aumenta o passo da evolução cada vez que se maravilha, de novo, com o universo representado por luzinhas, maiores ou menores, no varal dos sonhos estendido no azul do céu.

Não vi a lua, mas me entreguei a ela em reflexões inspiradas por sua luz entrando pelas vidraças e descobri que a minha vida anda assoberbada, fora do meu controle como um astro errante, parecendo andar para trás como os astros retrógrados, que nem existem: retrogradar é um fenômeno astronômico que causa a impressão de que um planeta está indo para trás. Impossível.

O universo segue sempre em frente, com estrelas nascentes e cada planeta no seu ritmo, mais lento como Plutão ou acelerado como a lua, que em menos de um mês nos brinda com todas as suas fases. E lá de cima inspira atitudes e escolhas em nossas vidas, que vão desde cortar o cabelo no período crescente, para que os fios se alonguem mais depressa, até plantar ou colher nas fases mais propícias. Indo bem mais longe, há crenças populares de que relacionamentos ou planos iniciados na lua crescente tendem ao sucesso, e isso é só o começo de toda a longa especulação, estudos, fascinação em torno da nossa lua de cada noite.

Não ver a lua — aqui estou sendo ainda mais subjetiva — pode significar que estou me tornando cada vez mais tarefeira e menos competente na capacidade de extrapolar, de tempos em tempos, o que está meramente abaixo do meu nariz. Ao mesmo tempo, ver a lua no Facebook não consola, é até mais desanimador porque representa um processo, a que estamos nos acostumando cada vez mais, de ver o mundo pela tela de um computador. Fica mais simples e traz uma gratificação certamente ilusória de que estamos fazendo parte da vida e dos acontecimentos.

Sinto-me tolamente ligada aos amigos que amo porque sei que é só enviar-lhes um e-mail que vem outro em resposta. Quase me esqueço daquele papo lado a lado, olho no olho, que desaparafusa minha máquina pensante, criando nova engrenagem de pensamentos e sentimentos, aquela prosa que alimenta revelações, autoconhecimento, termina em encontros mudos, em momentos que fotografamos com o coração para a eternidade.

Imagine-se daqui a 30 anos ou mais, remexendo memórias, inevitável, porque esse tempo chega e as memórias são o estofo e o molejo da vida como o de um sofá que acomoda a nossa velhice ou cansaço… Em 30 anos, você vai rememorar algum e-mail importante trocado com um amigo, um post que mudou a vida, uma cibercausa triunfante, uma foto no facebook que substituiu a experiência de estar ao lado da pessoa na cena?

Será que vamos nos contentar com essas imagens, será que os mais jovens julgam ter uma vida satisfatória porque teclam o dia inteiro com os conhecidos, será que a lua cheia vai continuar nos magnetizando se não buscarmos um encontro direto com ela, fora de quatro paredes?

Ontem eu não vi a lua, nem fui a uma festa histórica da turma da faculdade para a qual fui convidada há meses. Certamente vou ver as fotos dessa festa e ler comentários no facebook, não será a mesma coisa. Os relacionamentos na era virtual estão empobrecidos, ou sempre foram.

O fato é que o homem busca e enfrenta desafios em todos os campos do conhecimento, mas não se dá conta do monumental desafio que é criar laços reais de companheirismo com a comunidade, seja no trabalho ou dentro de movimentos sociais ou políticos; de amizade com os que escolhemos e queremos ter próximos; de família, não necessariamente parentes de sangue, mas aqueles que consideramos irmãos; e de “amor na prática” com os filhos, por exemplo, ou com o marido ou esposa, que provavelmente amamos, sim, muito além do beijinho após o café da manhã juntos e do boa noite exausto trocado já com as cabeças no travesseiro.

Se corpo a corpo parece mais sinônimo de luta, proponho uma ressignificação: que busquemos “relacionamentos corpo a corpo", ombro a ombro, em conversas a pé, passos desalinhados que levam a quase encontrões, enquanto ouvidos e mentes se afinam como instrumento de orquestra.

Quero ver a lua, nem que tenha que trabalhar menos, ganhar menos, pensar menos e sentir mais! Quero lutar na rua pelas causas em que acredito com mangas arregaçadas e não com o dedo no teclado do notebook, quero estar bem perto das pessoas que amo, que me inspiram e que são cúmplices em rompantes de loucura ou criatividade, em encontros insubstituíveis, como com a minha filha, num café na esquina à moda antiga, bem longe do computador e do celular, outra ilusão de conexão humana que a indústria sabe vender muito bem.