O ouriço financeiro europeu
A melhor metáfora para a ação predatória do sistema financeiro desregulado é a de um ouriço venenoso, cujos espinhos paralisam e fazem degenerar os organismos que toque. Agora o coro dos “austeros” começa a mostrar sinais de cansaço. A eleição de Hollande na França. A ameaça de que o Syriza, liderado por Alexis Tsipras, possa formar um governo de esquerda e denuncie o plano de “austeridade” acendeu a luz vermelha do pânico.
Por Flávio Aguiar
Publicado 09/05/2012 17:25
A gente tem a tendência a ver a intervenção do sistema financeiro no sistema produtivo e na economia das nações como uma lança no coração. Não é a melhor imagem. Também não é aquela – já foi – do longínquo filme “The Blobe”, “A Bolha Assassina”, com Steve McQueen e Aneta Corseaut (1958), a bolha que tudo absorve numa massa informe. (Embora na época a bolha de cor vermelha parecesse mais uma metáfora do lado comunista da Guerra Fria).
Hoje em dia a melhor metáfora para a ação predatória do sistema financeiro desregulado é a de um ouriço venenoso, cujos espinhos paralisam e fazem degenerar os organismos que toque.
Senão vejamos. Sigo livremente a trilha de um artigo do jornal The Guardian
1) Grécia: cortou tudo. Graças a essa “salvação”, o desemprego está em 21%. Serviços médicos caóticos, moradores de rua (25%) explodindo em Atenas, insegurança, extrema-direita organizando grupos que detém controle sobre bairros de imigrantes em cidades a pretexto de oferecer ‘segurança’ a cidadãos que buscam caixas eletrônicos. Impasse eleitoral.
2) Portugal: retração econômica de 3,4% neste ano. Desemprego, 15%. É mais fácil hoje despedir trabalhadores sem justa causa, contratar novos e mudar horas trabalhadas. Desregulou-se o controle sobre rendas financeiras e as fontes de energia estão sendo privatizadas.
3) Irlanda: aumentos de impostos, impostos sobre mercadorias e serviços em 23%, cortes nos salários em 15%. Aumento de impostos territoriais, penalizando a classe média, diminuição do seguro desemprego e do número de funcionários públicos.
4) Espanha: aumento nos impostos territoriais, cortes na saúde, educação, desemprego em 25%, 50% entre jovens. Impostos sobre mercadorias e serviços aumentaram em 18%. Novos aumentos são esperados.
5) França: diminuição dos impostos para os mais ricos e grandes empresas (governo Sarkozy), aumento da idade de aposentadoria de 60 para 62 anos. Sistema educacional público à míngua.
6) Itália: desemprego beirando 10%. Diminuição no PIB em 1,2% prevista em 2012. O governo luta para facilitar a demissão de trabalhadores sem justa causa. Um museu queima obras de arte em protesto pela falta de verbas, outros vão à falência administrativa.
7) Reino Unido: cortes de 103 bilhões no orçamento público até 2017. Anuidades universitárias na estratosfera. Empregos públicos em queda, cortes nas despesas de segurança. Greves ameaçam as Olimpíadas deste ano.
8) Alemanha: sim, a próspera Alemanha! Ver o texto “François Hollande e o ’milagre alemão’”, neste portal.
9) Holanda: governo em crise não consegue sustentar política de “austeridade”. Idem com
10) Romênia.
11) Em suma, o caos. Aparentemente, tudo se deve à crise da “dívida pública”, à “farra do Estado, dos aposentados, etc”. Mas o que trouxe isso, de longe, foi a desregulamentação feroz do sistema financeiro, a crença no monetarismo salvacionista e a rigidez dos “planos de austeridade”.
Agora o coro dos “austeros” começa a mostrar sinais de cansaço. A eleição de Hollande na França e a situação de “impasse descontente” na Grécia acenderam a luz amarela do medo. Vozes em Bruxelas, Frankfurt, Berlim, acenam com um afrouxamento da rigidez da “austeridade”, embora continuem exigindo que a Grécia continue se afundando nesse pantanal.
Mas a ameaça de que o Syriza, liderado por Alexis Tsipras, possa formar um governo de esquerda e denuncie o plano de “austeridade” acendeu a luz vermelha do pânico. Se a Grécia estatizar seus bancos, o sistema financeiro francês, junto com o espanhol, vai soçobrar, e o alemão, adernar.
Será o caos? Mas já estamos no caos! A ver.
Enquanto isso, a Islândia, que não depende do euro, fez uma devassa no seu sistema financeiro e se recusou a desmontar seu sistema de seguridade social, vai navegando soberana pelo oceano europeu enregelado, ainda ao largo do ouriço ameaçador…
Fonte: Carta Maior