José Alberto Lourenço: Pacto de Agressão – Um ano depois

No dia 17 de Maio passa um ano desde a assinatura do pacto de agressão entre a troika nacional (PS/PSD/CDS) e a troika internacional (FMI/CE/BCE).

Por José Alberto Lourenço* 

Em troca de um "empréstimo" de 78 mil milhões de euros até ao final de 2013, o PS, então no Governo, e a direita, então ainda na oposição, acordaram com a troika internacional a implementação de um exaustivo e calendarizado conjunto de medidas de política econômica e social, que no limite poderá levar à destruição de muitas das conquistas de Abril e que de imediato conduziram o nosso país para uma profunda recessão cuja duração temporal é ainda hoje difícil de determinar.

É oportuno nesta altura olharmos para a situação em que nos encontrávamos há um ano atrás, compará-la com aquilo que nos prometeram então e com aquilo a que nos conduziram nestes últimos 12 meses. A melhor forma de o fazer passa pela reprodução do cenário macroeconómico apresentado para 2011 e para os anos seguintes com a assinatura do pacto de agressão e compará-lo com a situação que, passados apenas 12 meses, já hoje vivemos.

O quadro seguinte reproduz o cenário macroeconómico previsto pelo Governo no momento da assinatura do pacto de agressão.

Por sua vez, as estimativas e as previsões macroeconômicas mais recentes aparecem refletidas no quadro seguinte.

A assinatura do pacto de agressão no final do 1.º semestre de 2011 e a imediata implementação de várias medidas nele incluídas – cortes orçamentais, em especial nos apoios sociais às famílias e no investimento público, aumento da carga fiscal directa e indireta sobre os trabalhadores, subida dos preços dos transportes públicos e da eletricidade e cortes nos salários de milhares de trabalhadores com a introdução da sobretaxa sobre o subsídio de Natal – provocaram a partir do 2.º semestre do ano passado um agravamento da situação econômica e social do nosso país sem precedente nas últimas décadas.

Dezenas de milhares de empresas fecharam portas e só no 2.º semestre de 2011 perderam-se cerca de 162 mil empregos e a taxa de desemprego em termos reais atingiu no final do ano cerca de 20,3%, o que significa que perto de um milhão e duzentos mil trabalhadores estavam no final do ano passado desempregados.

O aprofundamento da recessão no 2.º semestre de 2011 foi claro e inequívoco, ao mesmo tempo que as previsões de evolução do PIB para 2012 e 2013 se deterioraram fortemente. As estimativas mais recentes apontam para uma queda do PIB no 2.º semestre de 2011 de (-2,4%), como resultado das fortes quedas registadas no Consumo Privado (-5%) e no Investimento (-18,9%), acompanhadas de quedas no Consumo Público (-3,6%) e nas Importações (-8,2%) e de uma considerável desaceleração das Exportações.

O efeito recessivo do pacto de agressão sobre a vida das famílias é tal que, pela primeira vez desde 1996 (primeiro ano de informação trimestralizada das contas nacionais), o consumo das famílias em bens alimentares caiu no 2.º semestre de 2011 (-0,7%), que o consumo de bens duradouros caiu (-24,4%) e só no último trimestre essa queda foi de (-31,3%) e que o consumo de bens correntes não alimentares e serviços caiu (-3,4%).

O impacto esperado das medidas do pacto de agressão em 2012, em que se destacam o corte dos salários e das pensões de reforma, em termos reais, em 20,4%, resultante da supressão dos subsídios de Férias e de Natal para a esmagadora maioria dos trabalhadores da Administração Pública e do Setor Empresarial do Estado e para grande parte dos reformados, o congelamento dos salários nominais dos restantes trabalhadores da Administração Pública e do setor privado, a subida dos preços dos transportes públicos e da energia bem acima da inflação, o aumento do IVA e do IRS.

Os cortes nos apoios sociais às famílias e aos desempregados, o aumento das despesas com saúde e educação, leva a que a mais recente previsão do cenário macroeconómico (boletim da primavera do Banco de Portugal) preveja uma queda do PIB em 2012, que é mais do dobro da que era esperada antes da sua assinatura (de -1,6% passou para -3,4%), com o Consumo Privado a cair como nunca (-7,3%), o Consumo Público também em queda e o Investimento a continuar o seu já longo percurso de queda contínua, que faz com que o seu nível real actual se situe próximo dos níveis de 1996.

O impacto recessivo de todas estas medidas será de tal forma elevado em 2012 e 2013 que o próprio Banco de Portugal, neste seu último boletim económico da primavera, prevê uma queda do emprego de -3,6% em 2012 e de -0,7% em 2013, o que significa a destruição nestes dois anos de cerca de 207 mil empregos e a correspondente subida do desemprego. Não é por acaso que o próprio Governo, sempre muito cauteloso no cálculo das previsões do desemprego, veio há muito pouco tempo corrigir as suas previsões da taxa de desemprego para 2012 e 2013, prevendo agora mais 60 mil e 40 mil desempregados respectivamente, do que quando da assinatura do pacto de agressão. Tudo leva a crer que, mesmo assim, uma vez mais peque por defeito nas suas previsões de cálculo da taxa de desemprego neste e no próximo ano.

Entretanto, e pelas piores razões – uma profunda recessão e um desemprego que atingiu níveis nunca vistos –, a Balança Corrente apresenta um déficit bem inferior ao perspectivado aquando da assinatura do pacto de agressão. A travagem na actividade econômica resultante da queda do consumo das famílias, da falência de milhares de empresas e da queda do investimento, levou a que as importações de bens caíssem e o défice do saldo comercial se reduzisse, com impacto directo no défice da Balança Corrente.

E a descida só não foi maior porque a Balança de Rendimentos que também integra a Balança Corrente se agravou em 2011, fruto do peso cada vez maior que a saída de lucros e dividendos apresenta, como resultado da alienação da maior parte dos grandes grupos econômicos ao grande capital estrangeiro. A muito curto prazo, a recente venda da participação do Estado na EDP e na REN e o resultado das outras privatizações que o Governo pretende efectuar reflectir-se-ão no agravamento do déficit da nossa Balança de Rendimentos.

É caso para dizer que o nosso país, como resultado do pacto de agressão e das suas medidas de política económica e social, ao mesmo tempo que caminha a passos largos para alcançar o equilíbrio das suas contas externas, hipoteca cada vez mais a sua soberania e leva à fome e à pobreza milhares e milhares de portugueses. O equilíbrio das contas externas será assim obtido da forma mais inimaginável e trágica, através da destruição do nosso aparelho produtivo, do empobrecimento crescente dos trabalhadores e consequentemente de uma maior desigualdade na distribuição do rendimento e da completa subalternização do nosso país.

Um ano depois da assinatura do pacto de agressão vale a pena recordar aquilo que o Partido Comunista Português (PCP) então afirmou sobre o pedido de intervenção financeira feito pelo Governo PS com o apoio do PSD e CDS: "Ao contrário da campanha ideológica que tem vindo a ser erguida, visando a justificação desta iniciativa, o PCP reafirma que o recurso a este mecanismo é, não uma “ajuda”, mas uma ameaça que, a ser concretizada, se transformará numa nova agressão aos direitos de quem trabalha e numa nova e mais grave amputação da soberania nacional.

À semelhança daquilo que já se verificou noutros países, que recorreram a uma intervenção financeira externa da União Europeia e do FMI, o seu accionamento arrastará consigo o agravamento do desemprego, da pobreza e da exploração, reflectindo-se em mais recessão económica, em mais endividamento externo, sem resolver os problemas da especulação e dos juros da dívida pública que, hipocritamente, dizem querer conter".

A realidade aí está nua e crua para mostrar como tínhamos razão naquilo que então afirmávamos: o país tem hoje mais de 200 mil desempregados do que então, está mais endividado, mais pobre, mais desigual, mais injusto e muito mais dependente do exterior.

*José Alberto Lourenço é deputado pelo Partido Comunista Português.

Fonte: Revista O Militante