Sampa

Por Clóvis Campêlo

Ipiranga com São João, a esquina famosa de São Paulo

Tida por muitos paulistanos como o mais belo hino à sua terra e integrante obrigatória dos shows que Caetano Veloso faz na cidade de São Paulo, Sampa foi composta a partir de um pedido da TV Bandeirantes. Em 1978, o canal faria um programa sobre a capital paulista, e o produtor Roberto de Oliveira pediu um depoimento a Caetano. O compositor respondeu com uma canção, posteriormente lançada no disco Muito. Em Sampa, Caetano relata suas primeiras impressões ao conhecer a cidade, na década de 1960. Nascido em 1942, na Bahia, Caetano instalou-se na década de 1960 em São Paulo em companhia de seus companheiros de movimento tropicalista. A relação com a cidade começava aí.

A letra de Sampa combina diferentes referências à cidade e à cultura que se desenvolvia no centro urbano. Revela a aversão inicial do compositor, que vai se transformando em afeição: o que primeiro chama de mau gosto se torna atração pela dinâmica multiplicidade da metrópole. O retrato feito por Caetano reúne vilas e favelas, dinheiro e fumaça, diferentes correntes artísticas e de pensamento, como o rock pop nacional, representado por Rita Lee e Os Mutantes, ao lado da vanguarda concretista dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos. A frase melódica final de Ronda, de Paulo Vanzolini, é reproduzida com os mais famosos versos de Sampa: "Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João", citação que Caetano fez como homenagem, mas que foi entendida como plágio por Vanzolini.

Sampa
Caetano Veloso

Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas

Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes

E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa