José Roberto Torero: A vitória da gilete 

Antigamente eles tinham barba.

Quando falo “antigamente”, não quero dizer pré-história. E quando falo “eles”, não quero dizer australopitecos.

Quero dizer umas décadas atrás e jogadores de futebol.

Você que é dos tempos d.c, depois do computador, pode não acreditar, mas havia vários jogadores que usavam barba.

Quereis nomes? Dou-vos.

barbudos

Havia, por exemplo, Gerd Muller, até hoje o maior artilheiro da seleção alemã. Ele tinha apenas 1,74m, pernas grossas, barba (pensando bem, talvez realmente lembrasse um australopiteco) e jogava muito. Foi campeão mundial com a seleção em 1974 e pelo Bayern em 1976.

Aliás, no mesmo Bayern de Munique havia outro lendário barbudo: Paul Breitner. Era um lateral-esquerdo excelente. Depois foi para o meio-campo, sendo a estrela do Real Madrid em meados dos anos 70. Abandonou o futebol aos 31 anos, dizendo que ainda gostava de futebol, mas que estava cansado das coisas que aconteciam fora do campo. Numa polêmica entrevista, Breitner declarou-se socialista e leitor de Mao Tse Tung. E eis aí uma das características dos jogadores barbudos: muitos eram politicamente engajados.

Sócrates é o nosso maior exemplo. Politizado e opinativo, ele foi uma das grandes estrelas da campanha das Diretas Já. Mas houve outros, como Afonsinho, também médico e barbudo, um dos primeiros a lutar pelos direitos dos jogadores.

Maradona é outro que teve sua fase de pelos faciais. E não se pode dizer que seja um sujeito apático politicamente. É a favor de Cuba e tem posições controversas sobre todos os assuntos.

A barba é uma espécie de marca registrada dos sujeitos que gostam da ideia de mudar o mundo. Ela pode ser vista nos rostos comunistas de Marx e Engels, nos revolucionários Fidel e Che, no anarquista Bakunin, em Jesus, Maomé e Freud.

É como se estes homens dissessem que não têm tempo para se preocupar com a aparência, pois têm que pensar, escrever, agir.

Mas hoje as barbas sumiram dos campos. Na verdade, até os cabelos andam desaparecidos, já que muitos deixam suas cabeças totalmente peladas. Especialmente os zagueiros, como Domingos, que mais parece uma estátua da Ilha de Páscoa.

Na política não é muito diferente. Por lá as barbas também estão de molho. E, quando há alguma, é aparada com o mesmo esmero com que uma drag queen faz suas sobrancelhas.

Em vez de barbas desleixadas, a moda é usar os pelos como logotipo. É o caso de Valdívia, com seu bigode de ladrão mexicano, de Marcelinho Paraíba, com seus cabelos loiros, e principalmente de Neymar, com seu moicano mutante.

Trocaram-se as barbas emaranhadas pelo cabelo cuidadosamente elaborado, o “não ligo para minha aparência” por horas nas cadeiras dos salões de beleza.

Hoje em dia, talvez o uruguaio Loco Abreu, do Botafogo, que se formou em jornalismo e tem opiniões firmes, seja o único barbudo legítimo do futebol brasileiro. É pouco.

As barbas fazem falta. No futebol e na política.

PS: Falei em favor da barba, mas esta semana deixei o clube dos barbudos. É que Catarina, minha sobrinha de três anos, negou-se a beijar meu espinhento rosto. Então não tive dúvidas: raspei tudo. O que não se faz pelo beijo de uma senhorita…

 Publicado na Carta Maior